segunda-feira, 24 de agosto de 2009

Vilas portuguesas e vilas espanholas: diferenças.


Planta da cidade de Timgad, na Argélia, fundada por Trajano no ano 100

“ Porque o pregar tem mais de natureza que de arte: caia onde cair(...).O pregar
há de ser como quem semeia e não como quem ladrilha ou azuleja.” (Padre Antonio Vieira)

Sérgio Buarque de Holanda (O semeador e o ladrilhador)
- A colonização portuguesa seria distinta da espanhola devido à ausência de um projeto nacional de desenvolvimento da região. A colonização espanhola se define por uma insistência em assegurar o controle militar, político e econômico da metrópole sobre as terras conquistadas. Essa ênfase desenvolvimentista gerou inúmeros núcleos de povoação estáveis e bem ordenados, que se tornariam futuros centros urbanos das colônias. Para Sérgio Buarque o traçado das cidades representa um símbolo de vontade empreendedora. Era preciso vencer as adversidades climáticas, físicas e culturais, que só seriam controladas a partir de uma vontade criadora. A colonização portuguesa se caracterizou por uma feitorização. Até pela ausência de um projeto empreendedor de colonização, a administração portuguesa teria se caracterizado por um perfil mais liberal do que a administração espanhola.


2. CIDADE ESPANHOLA COMO CIDADE ROMANA
Cidade romana:
- A contribuição mais original para o traçado das cidades foi precisamente a que ficou devendo a sua origem aos acampamentos militares. Ainda, Benévolo afirma que "o romanos eram um povo eminentemente prático e organizador, que procurava as soluções simples e claras, sempre preferidas nos grandes empreendimentos coloniais. Faltava-lhes o refinamento artístico dos helenos, e eram mais engenheiros do que arquitetos." BENEVOLO (1993) relata que o sistema viário de Roma, chegou a possuir uma extensão de 85 quilômetros, sendo composto por ruas tortuosas, quase sempre estreitas ou estreitíssimas. Havia as itinera, acessíveis somente aos pedestres; as actus, onde passava apenas um carro de cada vez; as viae, onde dois carros podiam cruzar-se ou ultrapassar-se. Existiam apenas duas viae na parte central da cidade -- a Via Sacra e a Via Nova que flanqueavam o Foro -- e umas vinte na periferia (a Ápia, a Flamínia, a Ostiense, a Labicana, a Latina etc.).
- Exibir vídeo da cidade romana

Cidade espanhola
- Um tipo recorrente de intervenção, dentro deste período, é o das praças
retangulares formadas por uma seqüência de fachadas que repetem o mesmo motivo arquitetônico criando um espaço fechado e simétrico quando visto de qualquer de seus ângulos. As praças reais de Madrid ou Paris e as praças ducais de Vigevano ou Gualtieri são bons exemplos disto.
É esta cultura que irá se defrontar com o território do novo mundo. A cidade européia murada contraposta ao território rural envoltório não encontrará semelhança com nenhuma das ocupações no território americano então existentes, os grandes impérios asteca e inca tinham os seus centros monumentais construídos numa relação direta com a paisagem envoltória, sendo cidade e território pensados de uma maneira única. O traçado em damero das Leis das Índias que será adotado como regra em fins do século XVI na América Espanhola é fruto da racionalização natural a fundação de cidades, sejam as colônias romanas, sejam bastides ou cidades novas medievais, mas reflete também a assimilação da cultura visual renascentista já incorporada na mente dos conquistadores espanhóis. A novidade aqui, diante dos modelos de cidade ideal difundido na Europa está acima de tudo na escala que estas irão adquirir. Diante da grandiosidade da paisagem americana a cidade é proposta como modelo racional invariante e não delimitado, onde os módulos das quadras podem crescer em qualquer sentido. A grandeza geográfica do reticulado corresponde, no entanto, a ocupação feita de arquiteturas em escala modesta que remetem a dimensão do homem e de um controle visual afim a idéia das Strade Nuove européias, edifícios volumetricamente semelhantes gerando uma leitura estática do conjunto para quem o percorre.




Cidade portuguesa
- A idéia de sujeição do colonizador português ao território americano já estava presente no texto clássico no Brasil, de Sérgio Buarque de Hollanda, que afirmava ser a cidade da América Portuguesa parte do quadro da natureza, produto de uma cultura não consciente da própria manifestação de vontade e espírito. A irregularidade dos traçados seria fruto da permanência cultural medieval no mundo português, refratário a cidade regular renascentista, e que só seria gradativamente substituída pela cultura iluminista no século XVIII.
- Podemos identificar a implantação de três grandes redes urbanas na América Portuguesa de meados do século XVI até o final do século XVIII: a ocupação inicial do litoral, por vilas de iniciativa de donatários ou sesmeiros e cidades reais, fundadas principalmente nos séculos XVI e XVII, e caracterizadas pela dualidade cidade alta/cidade baixa e pela irregularidade ou regularidade relativa de seus traçados; a ocupação do sertão a partir da descoberta das jazidas de ouro e pedras preciosas, atividade fundamentalmente urbana que espalhou uma rede de arraiais e vilas nas áreas centrais do território cuja irregularidade do traçado é ditada pelo desenvolvimento das áreas de extração mineral; e a ocupação dos territórios da Amazônia e das fronteiras criadas pelas novas demarcações resultantes dos Tratados de Madrid e Santo Ildefonso dentro de um projeto real de ocupação sistemática do território que se utilizará do repertório de formas ortogonais, radiais, etc recorrente nas diversas iniciativas de povoamento sistemático ocorridas na Europa no mesmo período.
- Ao contrário do damero hispano-americano, as ruas no Brasil têm como ponto de fuga e enquadramento final uma construção. A instalação de ordens conventuais fora dos primeiros núcleos de habitações nas vilas fundadas, leva a uma direcionalidade do crescimento urbano na direção destes complexos. As arquiteturas singulares desempenham, portanto, um papel fundamental na definição do traçado urbano das cidades da América Portuguesa.



VILA BRASILEIRA
Nestor Goulart Reis. Imagens de vilas e cidades do Brasil colonial. São Paulo: Edusp , Co-Editoração: Imprensa Oficial, 2004. (Coleção Uspiana - Brasil 500 Anos. Prêmio Jabuti 2002).
“O que o português vinha buscar era, sem dúvida, a riqueza, mas riqueza que custa ousadia, não riqueza que custa trabalho. A mesma, em suma, que se tinha acostumado a alcançar na Índia com as especiarias e os metais preciosos. Os lucros que proporcionou de início, o esforço de plantar a cana e fabricar o açúcar para mercados europeus, compensavam abundantemente esse esforço efetuado, de resto, com as mãos e os pés dos negros mas era preciso que fosse muito simplificado, restringindo-se ao estrito necessário às diferentes operações. Não foi, por conseguinte, uma civilização tipicamente agrícola o que instauraram os portugueses no Brasil com a lavoura açucareira. Não o foi, em primeiro lugar, porque a tanto não conduzia o gênio aventureiro que os trouxe à América; em seguida, por causa da escassez da população do reino, que permitisse emigração em larga escala de trabalhadores rurais, e finalmente pela circunstância de a atividade agrícola não ocupar então, em Portugal, posição de primeira grandeza”. 171
- A conquista do território brasileiro, efetivada a partir das primeiras experiências de colonização levadas a efeito pelos portugueses no Brasil indica a cidade da conquista do território brasileiro muito mais como representação da empresa comercial da Companhia das Índias Ocidentais do que sendo propriamente uma verdadeira cidade. As primeiras áreas de ocupação e conquista do território brasileiro circunscreveram-se no nordeste brasileiro como áreas de exploração açucareira e essa era a chave do interesse português no Brasil que se constituiu a partir daquela empresa ou daquele tipo de aproximação do novo mundo. Oficialmente, o povoamento do Brasil nunca foi encarado como um empreendimento comercial. As cidades implantadas pelos portugueses, os núcleos urbanos e as vilas que lá existiram foram fruto de um processo não racional de implantação, essa afirmação, da não racionalidade da empresa portuguesa temos direcionado ao sentido de não serem desenvolvidas cidades a partir de planificações determinadas como as que foram pautadas pela América de colonização espanhola que tinham nas leis de índias a referencia de constituição das usas cidades e das relações comerciais e empresariais mesmas."

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