quinta-feira, 24 de setembro de 2009

Alguém falou que o Aleijadinho não existiu ? Aqui está a prova que ele existiu sim!

Apreciação sobre a obra do Aleijadinho

"Embora tenha feito seu aprendizado básico na área da escultura de relevos ornamentais, sob direção do português João Gomes Batista, formado por sua vez em Lisboa com o artista francês Antoine Mengin, o Aleijadinho (1735-1814) deixou também obras importantes no campo da estatuária monumental e imaginária sacra, daí advindo grande parte de sua reputação de principal artista brasileiro do período colonial. Em duas de suas portadas, as das igrejas de São João Batista de Barão de Cocais e São Miguel e Almas de Ouro Preto, figuram nichos com estátuas de santos padroeiros em pedra-sabão. Executadas cerca de trinta anos antes do conjunto dos doze Profetas do Santuário de Congonhas, do período de 1800-1805, essas estátuas oferecem uma boa base comparativa para análise da evolução estilística do Aleijadinho, do naturalismo e movimentação contida e algo desajeitada, da primeira fase de sua carreira, à estilização e libertação das formas no espaço, na fase final.
Já idoso e praticamente entrevado pela doença que lhe valeu o apelido, o artista teve numerosos auxiliares nesta monumental obra de Congonhas, mencionados nos seus recibos anuais com o título de 'oficiais', segundo a tradição medieval, ainda mantida na organização social do trabalho na era colonial. Desta colaboração resultaram deformações de caráter diverso, perceptíveis a uma análise mais atenta, mas que desaparecem quando o espectador se coloca no ponto de vista ideal para a visão do conjunto, ou seja, frontalmente, a cerca de 5 metros do portão de acesso. Este indício revela algo do sistema de divisão de trabalho em vigor na 'oficina' do Aleijadinho, que reservara para si as partes mais importantes e mais claramente visíveis das estátuas, assim como seu conhecimento de um dos aspectos fundamentais da estética barroca, a intencionalidade teatral".
Myriam Andrade Ribeiro de Oliveira

Aleijadinho

PRINCIPAIS OBRAS DO ALEIJADINHO

Em Ouro Preto:
• Igreja de São Francisco de Assis (risco geral, risco e esculturas da portada, risco da tribuna do altar-mor e dos altares laterais, esculturas dos púlpitos, do barrete, do retábulo e da capela-mor);
• Igreja de Nossa Senhora do Carmo (modificações no frontispício e projeto original, esculturas da sobreporta e do lavatório da sacristia, da tarja do arco-cruzeiro, altares laterais de são João Batista e de Nossa Senhora da Piedade);
• Igreja das Mercês e Perdões ou Mercês de Baixo (risco da capela-mor, imagens de roca de são Pedro Nolasco e são Raimundo Nonato);
• Igreja São Francisco de Paula (imagem do padroeiro);
• Igreja de Nossa Senhora da Conceição de Antônio Dias (quatro suportes de essa);
• Igreja de São José (risco da capela-mor, da torre e do retábulo);
• Igreja de Nosso Senhor Bom Jesus de Matosinhos ou de São Miguel e Almas (estátua de são Miguel Arcanjo e demais esculturas no frontispício);
• Igreja de Nossa Senhora do Rosário (imagem de santa Helena); e as imagens de são Jorge, de Nossa Senhora, de Cristo na coluna e quatro figuras de presépio hoje no Museu da Inconfidência.


Em Congonhas:
• Igreja matriz (risco e escultura da sobreporta, risco do coro, imagem de são Joaquim).

Em Mariana:
• chafariz da Samaritana.

Em Sabará:
• Igreja de Nossa Senhora do Carmo (risco do frontispício, ornatos da porta e da empena, dois púlpitos, dois atlantes do coro, imagens de são Simão Stock e de são João da Cruz).

Em São João del-Rei:
• Igreja de São Francisco de Assis (risco geral, esculturas da portada, risco do retábulo da capela-mor, altares colaterais, imagens de são João Evangelista);
• Igreja de Nossa Senhora do Carmo (risco original frontispício e execução da maioria das esculturas da portada).

Em Tiradentes:
• Matriz de Santo Antônio (risco do frontispício).

Link para estudo sobre Athayde

http://www.arte.unb.br/museu/teoria/rosto.htm

domingo, 13 de setembro de 2009

AVISO IMPORTANTE!

Caros alunos

Informo a todos que não haverá aula da minha disciplina na próxima terça-feira, dia 15 de setembro. Estarei no Rio de Janeiro, para uma banca de defesa.
Encontramo-nos na quinta-feira, dia 17, quando haverá aula normalmente.
Um abraço a todos
Adriana Romeiro

terça-feira, 8 de setembro de 2009

Email da turma de Turismo

turismoufmg20091@gmail.com
turismoufmg2009/1 (orkut)

O Aleijadinho e o aeroplano

Caros alunos


Como não localizei a tese da Guiomar Grammont no dominio publico, aí vai o link para um artigo que resume o trabalho dela. Não deixem de ler para a aula de amanhã.



O Aleijadinho e o aeroplano

Caros alunos

Como não localizei a tese da Guiomar Grammont no dominio publico, aí vai o link para um artigo que resume o trabalho dela. Não deixem de ler para a aula de amanhã.


http://www.revistapesquisa.fapesp.br/?art=3694&bd=1&pg=1

Resumo do primeiro capítulo da tese de André Guilherme Dangelo

FONTES DOCUMENTAIS PARA O ESTUDO DA ARQUITETURA RELIGIOSA EM MINAS

1. “Relato dos fatos notáveis da
Capitania” (SILVA apud BAZIN, 1983) 5, escrito em 1790 pelo Vereador Segundo da Câmara de Mariana, Capitão Joaquim José da Silva: documento fidedigno.

2. estudo clássico de Rodrigo José Ferreira Bretas intitulado “Traços biográficos relativos ao finado Antônio Francisco Lisboa” (BRETAS, 1951) 6, publicado pela primeira vez em 1858 na “Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro”.
- biografia de Aleijadinho
- projeto civilizatório de Araújo Porto-Alegre (academicismo francês)
- IHGB: projeto romântico nacionalista de criação da nação.
- busca das celebridades regionais, em busca de um panteão dos heróis nacionais.
- texto descoberto e trazido à tona pelos modernistas do IPHAN.
- mito da criatividade brasileira (mestiça)
- Aleijadinho e arquitetura barroca: síntese do Brasil dos brasileiros
- Mário de Andrade: superioridade do mulato no campo artístico. Introduz o novo e portanto a divergência com o modelo ultramarino.

IPHAN:
- busca de uma identidade cultural brasileira. (Rodrigo Melo Franco de Andrade e Mário de Andrade).
- a idéia de que o século XVIII em Minas tinha produzido no campo das artes e da arquitetura algo genuinamente nacional, que representava exatamente o protótipo estético que se buscava como bandeira da cultura nacional e da criatividade do povo brasileiro, representado pela genialidade mulata.
- No discurso modernista incorporado à fala de Rodrigo Bretas a estratégia era revalorizar a arte local para integrá-la no programa em voga de redescobrir as raízes da arte brasileira, com ênfase nos seus aspectos culturais e de miscigenação racial.
Os modernistas, assim, personificaram na figura do Aleijadinho um herói nacional
híbrido, que tinha como missão o resgate de uma unidade improvável entre as raças brasileiras e da qual o manuscrito relatado por Rodrigo Bretas nos seus “Traços biográficos do finado Antônio Francisco Lisboa” (1951) foi tratado como peça fundamental para dar a legitimidade histórica para a construção de uma consistência documental, influenciando os ensaios e publicações sobre a arte e arquitetura mineira no século XVIII de toda uma geração.

ALEIJADINHO DOS MODERNISTAS
- figura genial do Aleijadinho: artista brasileiro nato, mulato oprimido pela segregação social que, através do seu talento transportado para sua obra artística e arquitetônica e do seu sofrimento, tornava-se símbolo de resistência cultural e racial brasileira e podia ser elevado ao título de “Patrono da Arte Nacional”
- ngação de influência externa: criatividade. Conceito de barroco mineiro


GUIOMAR DE GRAMONT E O ALEIJADINHO
A biografia primordial de Aleijadinho nasce, como as biografias românticas, no momento em que a individualidade, até então figurada como a unidade de um ethos, passa a ser subjetivada psicologicamente, com um dentro e um fora, uma alma cheia de intuições geniais e uma circunstância histórica adversa, contra a qual tal alma se debaterá, expressando em obras imortais o seu sofrimento redentor de si mesma e dos outros. Individualidade, porém, construída das imagens coletivas que a precederam. Para fazer o renome de um personagem são necessários muitos nomes, muitas histórias recolhidas da tradição. “Aleijadinho” é uma tópica e, como tópica, é uma coleção de topoi, de lugares comuns. Essa é a história de uma personagem construída na memória brasileira como as biografias renascentistas, onde, segundo Burke, o efeito é semelhante ao dos retratos publicados nos livros dos séculos XV e XVI, em que uma única matriz de madeira era usada para imprimir retratos de diferentes indivíduos. (GRAMONT, 2002, p.38)

POLITICA DE PRESERVAÇÃO DO PATRIMONIO CULTURAL
- É no vigor da era Vargas, que o projeto de proteção da memória nacional vai ser encampado como uma linha de atuação do Estado Brasileiro. Já em 1933, o novo governo, pelo Decreto 22.928, declara a cidade de Ouro Preto monumento nacional e, em 1934, pelo Decreto 24.735, inicia a organização de um serviço de proteção aos monumentos históricos e às obras de arte tradicionais do país.

Tendência dos estudos sobre o barroco mineiro:
- do local ao universal
- busca do diálogo com as matrizes européias.

ARQUITETURA BARROCA
- crítica modernista: dogmatismo funcionalista.
- Lúcio Costa: Panfletário assumido do “funcionalismo corbusiano” e divulgador dos dogmas da arquitetura moderna desde o lançamento do seu ensaio crítico “Razões da nova arquitetura”, de 1934, Lucio Costa começa a usar a história da arte e da arquitetura para comprovar os conceitos modernistas que são, na sua visão crítica, a verdadeira e única fonte para a apreciação da arquitetura. Assim, a análise do objeto arquitetônico é baseada na matriz funcionalista com o viés de encontrar, unido a esse mesmo objeto, a tônica do aspecto social, tecnológico, plástico e artístico refletindo as verdades construtivas do seu tempo.
- Lucio Costa inicia um trabalho de valorização estética da produção da
arquitetura setecentista mineira ligada a um purismo funcionalista à maneira da “forma segue a função” , o que explica uma série de críticas à obra do Aleijadinho relacionadas ao problema da decoração, e outras vezes o elogio, em se tratando de avanços funcionais.

Olhar de Lúcio Costa
- a vinculação aos ideais da crítica de avaliação estética
construída a partir de um olhar funcionalista, ligado aos cânones da arquitetura moderna;
- uma relação menos engajada no caso da arquitetura, mais concordante com as políticas oficiais sobre a originalidade da arte mulata mineira;
- e por último, na crença, como metodologia de análise crítica das obras de arte e arquitetura, nos sistemas de evolução crescente da evolução artística: nascimento, amadurecimento, apogeu e decadência.



Olhar de Lourival Gomes Machado
- a concepção teórica, hoje bastante desgastada, da autenticidade do chamado “Barroco mineiro” como um “movimento” à parte e sem conexão mais diretas com o cenário da arte nacional do período . Neste sentido, o trabalho de Lourival Gomes Machado ancora-se na avaliação crítica sobre o diferencial estético das obras vinculadas ao ciclo do ouro, visando identificar alguns princípios gerais que estão presentes na sua qualificação artística, trabalhando fundamentalmente conceitos como sua pretensa originalidade e a sua inserção no seio da cultura barroca.
- A partir do parâmetro teórico fundamentado em Balet, Lourival Gomes Machado passa a buscar nas obras do Barroco mineiro, principalmente nas igrejas, a representatividade que as caracterizavam como as mais importantes estruturas transmissoras do espírito barroco na paisagem de Ouro Preto e lança a hipótese de serem possuidoras de um esforço de representação do poder político da Coroa Portuguesa.
- Segundo a visão de Machado, o caráter barroco dessas obras fica retido nos domínios do espaço interior do edifício e, principalmente, na própria implantação das construções religiosas, ou seja, no contraste das suas fachadas lisas, planas e alvas com o sítio monumental e com o céu azul, sem que competisse com a “natureza ciclópica” da paisagem de Ouro Preto.

Olhar de Sylvio de Vasconcellos
- Reafirmando sua vinculação às raízes modernistas, o autor também trabalha com exaustão a defesa da originalidade do “Barroco mineiro”, mais uma vez caracterizado como um episódio particularizado dentro da arte colonial brasileira.
- Sylvio de Vasconcellos, por fim, partiu para a defesa da idéia de que a arquitetura
mineira, adaptando-se a todas as dificuldades impostas pelo meio hostil e pela condição de isolamento geográfico da região no século XVIII, soube enfrentar e tirar partido das suas próprias limitações para construir, com um caráter original, suas realizações arquitetônicas. Estas seriam vinculadas às soluções da tradição construtiva do mundo português, muitas vezes improvisadas em função das privações do meio.
- crença na linearidade evolutiva, que leva a evolução da arquitetura mineira dentro de uma lógica cartesiana, das plantas retangulares rumo as plantas curvas ao avançar do século XVIII.

Olhar de Bazin
- A concepção de Bazin, ancorada na aliança entre arquitetura e decoração no espaço
interior das igrejas, norteará a análise de todos os objetos por ele selecionados, privilegiando uma crítica constituída a partir da apreensão geral do edifício, da avaliação estética da unidade indivisível das igrejas e dos conventos.

Olhar de Robert Smith
- Como historiador, Smith fundamenta sua produção sobre a arte barroca no Brasil na
compreensão da arquitetura lusitana e da arquitetura colonial brasileira, trabalhadas como fenômenos indissociáveis por meio de categorias de análise dependentes.
- Trabalhando sua análise crítica a partir da impossibilidade de qualquer avanço criativo e de autonomia artística em terras brasileiras, Smith entendia a produção brasileira como apêndice necessário da produção portuguesa. Neste sentido, sua interpretação artística do monumento se dava em função de uma preocupação única com o seu processo formativo.
- mesmo nos episódios da arquitetura brasileira amplamente celebrados pela história da arte, o autor os absorve como meras imitações de modelos europeus, como o que acontece quando o autor investiga a procedência da solução inovadora de algumas igrejas brasileiras setecentistas que assumem uma complexa conformação volumétrica, dificilmente encontrada em edifícios lusitanos.
- a tendência ao movimento, à sinuosidade, à interpenetração espacial é justificada por uma suposta derivação destas construções a obras de importância secundária no cenário da arte lusitana, igrejas que nunca poderiam ser comparadas aos monumentos erigidos em território colonial.
- Dentro desse quadro, as mais importantes contribuições que Robert Smith pôde dar para o estudo da cultura arquitetônica setecentista em Minas Gerais, virão, no nosso modo de ver, da releitura e compatibilização de seus trabalhos sobre a arquitetura portuguesa , seus arquitetos e forma de produção, com ênfase na região do Porto e de Braga.

Olhar de John Bury
- Nos ensaios de John Bury, pela primeira vez na historiografia sobre a arte mineira, aparece um autor que trata da arte e da arquitetura barroca mineira como um fenômeno mais universal, e não limitado às particularidades do meio, com ênfase em uma cultura arquitetônica que permeava uma produção internacional. Trabalhando a questão do Barroco dentro desse contexto mais universal, ligado aos movimentos internacionais vinculados ao Maneirismo, ao Barroco e ao Rococó internacionais, Bury rompe com a visão mais restrita dessa produção artística colocada pelos críticos brasileiros.Em textos como “A Arquitetura e a Arte do Brasil Colonial” pela primeira vez aparece uma associação direta da produção da arte e da arquitetura brasileira com a tratadística em vigor no período, principalmente Serlio, Vignola, Scamozzi e mesmo o tratado português “Artefactos Simétricos”
- Neste sentido, relacionou, como já colocamos anteriormente, a produção da arte e da arquitetura setecentista mineira com as fontes e a produção do que fazia-se de mais significativo em toda a Europa nos períodos Maneirista, Barroco e Rococó, ainda que em terras brasileiras estas manifestações se impusessem com um certo atraso cronológico.
- Outro aspecto relevante da obra de Bury é a compreensão do valor da arte setecentista mineira, independente de seus modelos europeus. Bury compreendeu o componente de originalidade brasileiro sem problemas, idéia, como vimos, jamais aceita por Robert Smith. Dentro das novas análises empreendidas por Bury, é particularmente importante a consciência que o historiador inglês demonstra em relação à influência do Maneirismo e sobre a ligação do “estilo” com as primeiras manifestações da arquitetura religiosa em território nacional.
- Dentro desse espírito e não sendo cerceado pelas influências oficiais, o autor parte para a investigação das origens da arquitetura mineira, buscando as fontes para essa aclamada erudição compositiva não na originalidade da cultura mulata, como os outros autores estudados o fizeram, mas nos modelos europeus e no estudo da cultura arquitetônica vigente nos séculos XVII e XVIII.
- Origem das igrejas borromínicas (São Pedro dos Clérigos e Rosário dos Homens Pretos): Para John Bury, a origem formal dessas tipologias está no Piemonte (região ao norte da Itália), na Áustria, na Baviera (região ao sul da Alemanha) e na Boêmia (região que compreendia territórios das atuais República Tcheca e Hungria), onde existem exemplos diversos de plantas curvilíneas que praticamente inexistem na tradição portuguesa.

Olhar de Affonso Ávilla
- Para Affonso Ávila, para se entender o fenômeno Barroco em Minas Gerais é imprescindível entender a idéia daquelas manifestações artísticas com o compromisso do “estilo” com a Contra-Reforma e a expansão mercantilista européia, abre um novo universo de conquista de fiéis para a igreja renovada, além de oferecer um imenso espaço para seu o desenvolvimento em território pouco explorado. Assim, o autor defende a idéia que o “espírito barroco” deve ser encarado independente do contexto geográfico e temporal, mas fazendo parte da manifestação artística a que está ligado.
- O autor, dentro dessas premissas, defende que a singularidade do fenômeno artístico do Barroco em Minas Gerais está na capacidade da arte na região de Minas poder absorver uma tonalidade própria, principalmente em função dos condicionantes especiais que caracterizam o cenário aurífero. Segundo o pensamento do autor aspectos como: a luz, a cor, a paisagem, a topografia da região montanhosa, os materiais disponíveis, a diversidade étnica permitiram a gênese de um Barroco autenticamente brasileiro, regido pelos mesmos princípios essenciais do fenômeno na Europa, mas formalmente inédito.

Olhar de Myriam Andrade Ribeiro de Oliveira
- em muitos dos seus estudos, Myriam Andrade Ribeiro de Oliveira tem
demonstrado que a idéia da originalidade das manifestações artísticas da região aurífera está vinculada, como já salientamos inicialmente, à política oficial do IPHAN do tempo dos modernistas e ao desejo incondicional da vanguarda modernista brasileira de descobrir um marco inicial de uma “identidade nacional”. Para o enfrentamento destas idéias “oficiais” sedimentadas, foi fundamental, na trajetória da autora, a publicação – onde a pesquisadora é a organizadora – dos textos do crítico inglês John Bury (BURY, 1991), já comentados anteriormente. Para abrir uma discussão sobre o mito do “Barroco mineiro”, balizado, como vimos, pela obra de Bazin e de outros intelectuais significativos da cultura brasileira, seria imprescindível que um outro autor, produzindo no mesmo período textos sobre o Barroco brasileiro com uma visão bastante diferente, viesse à tona e levantasse algumas questões fundamentais sobre o tema.
- É também Myriam Ribeiro quem primeiro propõe, de uma maneira mais incisiva, a permanente influência dos modelos externos para a arte mineira, rompendo de vez com a idéia do mito da originalidade mulata e, principalmente, com teses evolutivas propostas de maneira quase constante, como vimos, pelo “staff” modernista dos pesquisadores vinculados ao IPHAN.

A expressão “Barroco mineiro”, geralmente aplicada a toda arquitetura religiosa edificada em Minas setecentista, recobre efetivamente um universo estilístico muito mais amplo, que vai das construções retangulares da primeira metade do século XVIII às sinuosas da segunda metade, passando pelas curvilíneas ou de oposição côncavo-convexas de meados do século. São três estilos arquitetônicos diferentes que, em princípio, podem ser relacionados aos três principais estilos da época, no
cenário internacional do período correspondente aos séculos iniciais da nossa história, ou seja, o Maneirismo, o Barroco e o Rococó.(Myriam Andrade Ribeiro de Oliveira)

- Partindo do estudo do surgimento do Rococó enquanto estilo de corte e sua expansão na Europa como estilo também religioso, a autora, seguindo o caminho iniciado por
pesquisadores como Marie-Therèse Mandroux-França e do próprio Robert Smith e ampliando seu foco, para chamar atenção para a importância das gravuras de arquitetura em circulação na Europa como fonte de inspiração e modernização cultural para os “arquitetos” erudidos e amadores em Portugal e suas colônias . Na sua obra mais recente, a pesquisadora enfoca o estudo das fontes impressas circulantes na Europa sobre arte e arquitetura no século XVII e XVIII, conjuntamente com a análise da produção arquitetônica do período em Portugal e no Brasil, conseguindo, assim, comprovar uma série de hipóteses já levantadas sobre a circularidade cultural na região das Minas Gerais e abrindo campos de pesquisa ainda a serem investigados, sendo um desses o nosso próprio tema de pesquisa nessa tese: a cultura arquitetônica em Portugal no século XVIII e sua relação com a formação dos mestres-de-obras portugueses imigrados para as Minas setecentistas.


Proposta de Dangelo
- Para um estudo que traga novas perspectivas historiográficas sobre a produção mais coletiva da arquitetura mineira setecentista e do papel dessa produção para aquela sociedade, no nosso ponto de vista, é imprescindível conhecer os valores culturais vigentes no período estudado e as formas de produção que regem o universo arquitetônico no século XVIII em Portugal, no Brasil, e em Minas, o que nos propomos a fazer como linha principal desta pesquisa a partir de uma metodologia de estudo que envolva trânsito da cultura arquitetônica vigente em Portugal, no Brasil e em Minas durante o século XVIII; circularidade cultural dos agentes dessa produção e verificação da aplicação dessa cultura arquitetônica na produção arquitetônica dos principais agentes culturais ligados à produção arquitetônica setecentista mineira, onde atuaram como empreiteiros, arquitetos e construtores.

Excertos da tese de André Guilherme Dorneles Dangelo.

Dangelo, André Guilherme Dornelles. A cultura arquitetônica em Minas Gerais e seus
antecedentes em Portugal e na Europa: arquitetos, mestres de obras e construtores e o trânsito de cultura na produção de arquitetura religiosa nas Minas Gerais
setecentistas. Tese de doutorado/UFMG, 2006.



"No modo de ver de Mário, o mulato “se impõe” sobre outros artistas que, brancos ou
negros, não são mencionados no texto. São eles os responsáveis pela “deformação” dos
modelos recebidos da metrópole, portanto, pela geração do novo, associado ao nacional. Assim nasce o “mito” que mais tarde vai ser incorporado às políticas públicas oficiais via IPHAN na próxima década. Para o Brasil modernista, essa redescoberta de suas raízes culturais estruturava-se principalmente na redescoberta do Barroco brasileiro e, principalmente, no mais genuinamente brasileiro, como o que foi criado pela inventividade 78 mulata do Aleijadinho em Minas Gerais, como vimos anteriormente na fala de Mário de Andrade."


"O IPHAN foi criado na linha ideológica dos modernistas de 1922, e trabalhava, no
período de sua criação, um projeto que visava, acima de tudo, a construção de uma identidade cultural brasileira. Sob a tutela condução intelectual do já citado Mário de Andrade e a direção formal de Rodrigo Melo Franco de Andrade (1898-1968) – dois modernistas – construiu-se, teoricamente, naquele período, a idéia de que o século XVIII em Minas tinha produzido no campo das artes e da arquitetura algo genuinamente nacional, que representava exatamente o protótipo estético que se buscava como bandeira da cultura nacional e da criatividade do povo brasileiro, representado pela genialidade mulata."

Lúcio Costa e o barroco: "Durante este trabalho, Lucio Costa encanta-se pelo que vai chamar de uma “simplicidade flagrante”, uma arquitetura tosca, mas “honesta”, fruto dos imperativos do meio, que mais tarde irá qualificar como dotada de uma
“saúde plástica perfeita” e que o levará ao rompimento com o Movimento Neocolonial."

Opinião de Lúcio Costa sobre o Aleijadinho:
"[...] é assim que a gente compreende que ele (o Aleijadinho) tinha o espírito de
decorador, não de arquiteto. O arquiteto vê o conjunto, subordina o detalhe ao
todo, e ele só via o detalhe, perdia-se no detalhe, que às vezes o obrigava a soluções imprevistas, forçadas, desagradáveis. Os seus maravilhosos portais podem ser
transplantados de uma igreja para outra sem que isso lhes prejudique, pela simples
razão de que elas nada têm que ver com o resto da igreja a que dão entrada. São
coisas à parte. Estão ali como que alheios ao resto. Ele tão pouco se preocupava
com o fundo, o volume das torres, a massa dos frontões. Ia fazendo."

Visão de Lourival Machado
"Essa visão pragmática e de pureza plástica empreendida por Machado, no entanto, não
procede. Bastaria lembrarmos, no caso de Ouro Preto, das mais importantes realizações
arquitetônicas da segunda metade do século XVIII. Estas vão explicitamente gerar composições de alto teor dramático em virtude da sua movimentada atitude plástica que
ostenta o volume exterior do edifício. Igrejas como a de Nossa Senhora do Rosário dos Pretos, São Francisco de Assis e Nossa Senhora do Carmo, todas em Ouro Preto, rompem definitivamente com esta tipologia contida e singela das primeiras matrizes, despontando no século XVIII mineiro como uma das manifestações mais arrojadas do Barroco luso-brasileiro. Neste sentido, ao contrário do que propõe Machado, no nosso modo de ver a questão, essa arquitetura oferece a oportunidade de revelação do orgulho local e da disputa entre os grupos de irmandades leigas, totalmente identificadas com as tradições próprias do povo das Minas Gerais."

Visão de Sylvio de Vasconcellos
"Defendendo as particularidades sociais e econômicas que produziram o fenômeno da arte mineira, Sylvio de Vasconcellos, por fim, partiu para a defesa da idéia de que a arquitetura mineira, adaptando-se a todas as dificuldades impostas pelo meio hostil e pela condição de isolamento geográfico da região no século XVIII, soube enfrentar e tirar partido das suas próprias limitações para construir, com um caráter original, suas realizações arquitetônicas. Estas seriam vinculadas às soluções da tradição construtiva do mundo português, muitas vezes improvisadas em função das privações do meio."
"No seu objetivo de provar que, ao se afastar do legado arquitetônico do litoral
brasileiro, a arte das Minas assumia uma independência compositiva diferencial que a eleva à categoria de manifestação artística autenticamente nacional, Sylvio de Vasconcellos também dará ênfase à teoria da criatividade mulata modernista, buscando comprovar através de vários textos sobre a vida de Antônio Francisco Lisboa – o Aleijadinho – a genialidade artística da arte mineira setecentista."

Visão de Germain Bazin
"A obra de Bazin também se apresenta repleta de influências dos cânones modernistas,
principalmente sobre a evolução tipológica da arquitetura mineira, além da presença marcante da proposta de evolução tipológica, onde São Francisco de Ouro Preto aparece como a obraprima do Aleijadinho e o ápice de uma evolução lógica dentro da arquitetura setecentista mineira."

"Outro problema da obra de Bazin, no nosso ponto de vista, trata-se do nível de
isolamento que a sua obra traz do ponto de vista da arquitetura, se a compararmos com alguns trabalhos de Robert C. Smith sobre a arquitetura em Portugal no mesmo período. A falta de uma discussão mais qualificada em relação às formas de produção da arquitetura lusobrasileira no século XVIII e, principalmente, sobre a abundância das fontes visuais existentes, sua circularidade e sua importância como fator fundamental para a produção artística, nos levam a muitos questionamentos. O não aprofundamento nestas questões por um historiador do porte de Bazin, além de ser no mínimo estranho, dá margens a diversas críticas que o mesmo recebeu de alguns pesquisadores brasileiros, acusando-o, inclusive, de estar dando lastro científico às teorias da criatividade mulata dos modernistas do antigo IPHAN. Assim, o
trabalho de Bazin, ainda que não deva ser desconsiderado como uma obra de referência, por ser pioneira e porque trouxe grandes contribuições no nível de proposição crítica sobre as informações documentais existentes sobre a arte e a arquitetura barroca brasileira, à luz dos novos conhecimentos sobre o problema da evolução da arquitetura nas Minas Gerais no século XVIII, deve ser lido e entendido como um trabalho que, de certa forma, foi também contaminado por muitas das questões funcionalistas e evolutivas defendidas pelos modernistas do IPHAN."

ROBERT SMITH E O BARROCO BRASILEIRO
"Nas suas análises, Robert Smith é pouco flexível: mesmo nos episódios da arquitetura
brasileira amplamente celebrados pela história da arte, o autor os absorve como meras
imitações de modelos europeus, como o que acontece quando o autor investiga a procedência da solução inovadora de algumas igrejas brasileiras setecentistas que assumem uma complexa conformação volumétrica, dificilmente encontrada em edifícios lusitanos. Para o historiador americano, a tendência ao movimento, à sinuosidade, à
interpenetração espacial é justificada por uma suposta derivação destas construções a obras de importância secundária no cenário da arte lusitana, igrejas que nunca poderiam ser comparadas aos monumentos erigidos em território colonial. "

"Dentro desse quadro, as mais importantes contribuições que Robert Smith pôde dar
para o estudo da cultura arquitetônica setecentista em Minas Gerais, virão, no nosso modo de ver, da releitura e compatibilização de seus trabalhos sobre a arquitetura portuguesa , seus arquitetos e forma de produção, com ênfase na região do Porto e de Braga. Nestes trabalhos, onde Smith teve tempo e apoio para desenvolver uma pesquisa documental pioneira sobre as fontes que nortearam a arte do período Barroco e Rococó em Portugal, muitas constatações feitas pelo autor na década de 60 ainda estão em tempo de serem relidas e revalidadas dentro dos valores vigentes no universo da cultura arquitetura mineira setecentista, e das quais voltaremos a falar nesse trabalho."

John Bury e a arquitetura barroca:
"Nos ensaios de John Bury, pela primeira vez na historiografia sobre a arte mineira,
aparece um autor que trata da arte e da arquitetura barroca mineira como um fenômeno mais universal, e não limitado às particularidades do meio, com ênfase em uma cultura
arquitetônica que permeava uma produção internacional. Trabalhando a questão do Barroco dentro desse contexto mais universal, ligado aos movimentos internacionais vinculados ao Maneirismo, ao Barroco e ao Rococó internacionais, Bury rompe com a visão mais restrita dessa produção artística colocada pelos críticos brasileiros.Em textos como “A Arquitetura e a Arte do Brasil Colonial” pela primeira vez aparece uma associação direta da produção da arte e da arquitetura brasileira com a tratadística em vigor no período, principalmente Serlio, Vignola, Scamozzi e mesmo o tratado português “Artefactos Simétricos”".

"No caso específico do estudo sobre a arte e a arquitetura desenvolvidas no século
XVIII na região de Minas Gerais, Bury não escapa à temática da investigação sobre a obra do Aleijadinho e da sua possível influência na arquitetura de finais do século XVIII. Seu mais importante texto dentro desta coletânea, no nosso ponto de vista, é o intitulado “As igrejas “borromínicas” do Brasil Colonial” (BURY, 1991), onde Bury demonstra a universalidade dos modelos da arte mineira e desfaz os mitos do isolamento geográfico e da autenticidade genética da produção de arte e arquitetura mineira. Para demonstrar esse quadro, o autor desenvolve uma análise fundamentada na ênfase da interpretação tipológica, compositiva,artística e da filiação estilística oriunda de cada monumento. Segundo as palavras do autor, “O objetivo deste estudo é listar esses monumentos “borromínicos”, analisar sua composição arquitetônica, examinar a origem de seu estilo e investigar as possíveis fontes de
onde derivam suas diversas características pouco comuns.” Dentro desse espírito e não sendo cerceado pelas influências oficiais, o autor parte para a investigação das origens da arquitetura mineira, buscando as fontes para essa aclamada erudição compositiva não na originalidade da cultura mulata, como os outros autores estudados o fizeram, mas nos modelos europeus e no estudo da cultura arquitetônica vigente
nos séculos XVII e XVIII. Assim, após uma leitura crítica das diversas obras enquadrados na classificação de “borromínicas”, o autor passa a perseguir a suposta origem de algumas características arquitetônicas presentes nestes edifícios, principalmente a partir da interpenetração volumétrica manifesta nas igrejas de São Pedro dos Clérigos de Mariana e Rosário dos Pretos de Ouro Preto, e no uso das torres cilíndricas franqueando os dois lados do frontispício das igrejas classificadas pelo autor como pertencentes ao “estilo Aleijadinho”. Para John Bury, a origem formal dessas tipologias está no Piemonte (região ao norte da Itália), na Áustria, na Baviera (região ao sul da Alemanha) e na Boêmia (região que compreendia territórios das atuais República Tcheca e Hungria), onde existem exemplos
diversos de plantas curvilíneas que praticamente inexistem na tradição
portuguesa".


Visão de Myriam Andrade Ribeiro de Oliveira
"Com uma ampla produção dedicada às principais obras do Barroco brasileiro,
especialmente aquelas ligadas à arquitetura religiosa, a pesquisadora tem trabalhado
exaustivamente a partir da busca dos agentes que teriam concebido e erguido as obras
mineiras do século XVIII, buscando reavaliar a pertinência das atribuições tradicionalmente aceitas pelos críticos modernos da arte brasileira a partir da comparação do caráter plásticocompositivo das realizações mais importantes do século do ouro em Minas Gerais e cruzando esses dados com a filiação estilística de cada autor, com a época em que atuou na região, a sua procedência e a formação técnica ou teórica que teria sofrido. Crítica assumida da atribuição de São Francisco de Ouro Preto ao Aleijadinho, a pesquisadora tem defendido em seu trabalho uma posição contrária frente às teses oficiais dos modernistas do IPHAN para contestar o “mito” do “Barroco mineiro”."

Posição de André Dangelo
Neste sentido, o norte da nossa investigação deverá passar, no nosso entender, para a
esfera da busca de um objetivo historiográfico muito mais abrangente e ainda pouco
perceptível na nossa área de pesquisa: o rompimento com as eternas investigações somente focadas nas questões da genialidade artística de um só indivíduo, para a aceitação da existência uma sociedade mais plural, onde o foco da investigação arquitetônica passa também a incorporar as influências de uma rede de manifestações, vinculadas a uma produção coletiva. Para essa nova construção, é fundamental aceitarmos (contrariando a maior parte dos estudos modernistas) que esta rede de produção cultural, era regida sobre as regras de uma determinada cultura arquitetônica vigente nos séculos XVII e XVIII no Brasil, em Portugal e
nos países do Europa Central, cujo elo principal entre todos era o catolicismo, o regime absolutista e a situação periférica em relação aos centros produtores de cultura e moda na Europa, e que, tardiamente em relação à Itália, importaram e assimilaram, (sem negar as apropriações regionalizadas e suas transformações culturais) todas as manifestações culturais vinculadas a uma tradição católica conta-reformista, a arte tardo-barroca italiana e francesa produzidas nos séculos XVI e XVII."

quinta-feira, 3 de setembro de 2009

Proxima aula

Debate: DANGELO, André Guilherme Dornelles. A CULTURA ARQUITETÔNICA EM MINAS GERAIS E SEUS ANTECEDENTES EM PORTUGAL E NA EUROPA:ARQUITETOS, MESTRES-DE- OBRAS E CONSTRUTORES E O TRÂNSITO DE CULTURA NA PRODUÇÃO DA ARQUITETURA RELIGIOSA NAS MINAS GERAIS SETECENTISTAS. Parte I. Diálogo com a historiografia. Tese de doutorado: UFMG, 2006.

Site: www.dominiopublico.gov.br
Tese de doutorado

quarta-feira, 2 de setembro de 2009

Martírio de santos: temática barroca


CARAVAGGIO
The Martyrdom of St Matthew
1599-1600
Oil on canvas, 323 x 343 cm
Contarelli Chapel, San Luigi dei Francesi, Rome

Alegoria da Vaidade, de Hans Memling, 1485

Mundo vário e extraordinário!



Velazquez (1599-1660), o maior pintor do barroco espanhol, fixou, em telas imortais, os anões e bufões de Felipe IV, com todas suas deformidades. Na pintura As meninas ou A família de Felipe IV, vê-se à direita uma anã disforme, com grande cabeça, lembrando a hidrocefalia. Em Calabazas, mostra um jovem com pé caído bilateral e paralisia do músculo reto lateral esquerdo. Várias etiologias para este quadro são possíveis, entre as quais a atrofia muscular peroneal.

O quadro Pied-Bot ou nino cojo, de José de Ribera (1591 – 1652), considerado o maior pintor do barroco espanhol, depois de Velazquez, mostra um jovem com esta enfermidade, tendo o pé direito deformado e que toca o solo apenas pelos dedos; é portanto um pied-bot eqüino. A mão direita, que porta um chapéu, apresenta uma deformidade análoga àquela do pé, ainda que os dedos, colocados em perspectiva, desaparecem sob o bordo do chapéu. Assim, o conjunto sugere hemiplegia infantil direita, resultado de uma atrofia cerebral do hemisfério esquerdo. A expressão facial completa o quadro, revelando um desenvolvimento incompleto das faculdades intelectuais que acompanha ordinariamente esta afecção. O cartaz na não esquerda, onde se lê: Da mihi elimosinam propter amorem Dei, sugere que ele não pode falar, apresentando afasia por lesão do hemisfério cerebral esquerdo.

O quadro Mulher barbada, foi pintado por Ribera, em 1631, a pedido do duque de Alcalá, vice-rei de Nápoles. Ele representa Magdalena Ventura, uma mulher originária da região dos Abruzzes que, com a idade de 37 anos e após ter tido três filhos, foi acometida de virilismo. Em 1631, se instala em Nápoles, e com a idade de 52 anos, dá a luz uma criança. Tomando conhecimento deste fato, a apresenta a Ribera para que este a pinte. Ao lado encontra-se seu esposo. Certos tumores do ovário ou das glândulas suprarenais podem determinar hisurtismo. O diagnóstico mais provável é de síndrome adrenogenital por tumor benigno das glândulas suprarenais ou adenoma da hipófise.

O trauma é a principal causa de lesão do sistema nervoso, sendo de se esperar sua representação na arte. A passagem bíblica que relata o ferimento do crânio de Golias por uma pedra lançada por Davi, seguido da decapitação do gigante, é representada por Caravaggio (1573 – 1610) e, poucas décadas depois, por Jacob van Oost (1600 – 1671), nas telas denominadas Davi com a cabeça de Golias. Bernardo Cavallini (1616-1656), na obra Expulsão de Iliodor do templo representa trauma craniano pela pata de um cavalo.

Visão da morte na cultura barroca

Segundo Maravall, na cultura barroca existe uma atração pela morte e pelo macabro. A ênfase na morte visa a impressionar os vivos e, ao mesmo tempo, acentuar a condição adversa da vida.

terça-feira, 1 de setembro de 2009

Jogos mortais.


Lição de anatomia de Rembrandt


A cultura barroca, segundo Maravall.

Características da cultura barroca
1. Cultura dirigida. A cultura barroca oferece as linhas fundamentais de uma visão da sociedade e do homem, pelas quais se orienta o comportamento dos indivíduos que nela vivem. Tal cultura lança mão de meios que se encontram ajustados às circunstâncias nas quais são operados, para manejar, dirigir, governar dos grupos e indivíduos. Trata-se então de uma cultura pensada como instrumento operativo, cujo objeto é atuar sobre certos homens dos quais se possui uma visão determinada, a fim de fazê-los comportar-se, entre si e em relação à sociedade que compõem e ao poder que a rege, de maneira que se mantenha e potencialize a capacidade de autoconservação de tais sociedades. Daí a necessidade de saber como é o homem para servir-se dos recursos mais adequados diante dele: é o conhecimento de si mesmo e o conhecimento dos outros homens. Um dos pressupostos da cultura barroca é a crença segundo a qual é possível apoderar-se do controle dos recursos humanos e aplicá-los na condução dos homens, impulsionando-os na direção de uma crença e de certos modos de conduta. O dirigismo barroco leva ao autoritarismo característico das monarquias absolutistas.
2. Cultura massiva. O barroco destina-se às massas, que conhecem um apogeu demográfico neste período, e que são sensíveis aos instrumentos de ação criados por esta cultura. O século XVII assistiu ao desenvolvimento de modos de vida e de mentalidade de caráter massivo. Para Maravall, o século XVII é uma época de massas, a primeira sem dúvida da história moderna, e o barroco, a primeira cultura que se serve de recursos de ação massiva, o que fica claro pela natureza do teatro, em seus textos e procedimentos cênicos, a devoção externa da religião pós-tridentina, a política de repressão dos Estados, o recurso à imprensa.
3. Cultura urbana. O barroco é uma cultura que tem por palco privilegiado a cidade, o espaço público urbano. Segundo Maravall, o barroco produz-se e desenvolve-se em uma época em que os movimentos demográficos já obrigam a distinguir entre meio rural e sociedade agrária. Surge então essa cultura da cidade, dependente das condições pelas quais se vai expandindo a urbanização, e que operam inclusive sobre zonas rurais próximas, relacionadas com a cidade. O absolutismo exigiu o redimensionamento da cidade como capital. Essa cidade-capital, muito populosa, é que assistirá ao advento do barroco, sob a forma de festas, espetáculos pirotécnicos, honras fúnebres, arcos de triunfo, cortejos espetaculares etc.
4. Cultura conservadora. Havia a preocupação de manter as coisas na sua ordem, reduzindo, ao máximo, o desmoronamento do sistema vigente ameaçado pelo tempo. O absolutismo se levanta para impedir mudanças sociais e políticas e manter energicamente os quadros estamentais da sociedade.


Princípios gerais da cultura barroca, segundo Maravall


1. Valorização do mundo como movimento: percepção do caráter fluido e instável de todas as coisas. A estética barroca vai flagrar o mundo no seu processo de transformação e movimento constantes. As palavras recorrentes na literatura: mobilidade, vicissitude, inconstância. “As coisas todas são móveis e passageiras”. Movimento: princípio que rege a visão de mundo barroca, tanto na ciência, na moral, na economia e na política. Na obra de arte, o equilíbrio é frágil e está sempre ameaçado. A beleza não radica mais na harmonia e na simetria do imutável, mas no movimento incessante.

2. Daí o fato de o homem ser uma figura frágil e dramática num mundo cambiante, onde não há nada para se apoiar com certeza (visão do filósofo Pascal). Diante de um mundo em movimento, restam ao homem a insegurança e a incerteza.

3. Concepção do mundo como teatro: dados
a.) o caráter transitório da existência ( de dor ou de prazer);
b.) rotação ou mudança dos papéis: o que é um hoje, amanhã será outro. Gosto pelos desatinos da fortuna;
c.) a representação: o papel que cada um desempenha na vida não diz respeito à essência das pessoas, mas apenas à sua superfície ou aparência. Concerne à contradição entre ser e valer. Disso resulta o caráter imobilizador do topos do mundo como teatro: nenhum papel neste mundo é definitivo.

4. Mundo como feio e ruim, lugar de guerra, fome, peste, violência e crueldade. Nesse sentido, o barroco é a ressaca do renascimento: o sofrimento diante de uma desmesurada expansão das expectativas.

5. Topos da loucura do mundo: idéia de que todas as coisas estão submetidas a um desarranjo geral, que se aproxima do caos, que põe todas as coisas fora do seu lugar.

6. Visão negativa do homem: homem é lobo do homem. Esse é uma figura frágil e perversa num mundo cambiante. Retoma a afirmação de Plauto e que aparece depois em Hobbes. Preocupação em denunciar os vícios e defeitos humanos, uma vez que o homem é intrinsecamente mal. Homem barroco vive numa emboscada, em posição de defesa e ataque.

7. Gosto pela violência. A violência que grassa pelo mundo é o resultado de uma dada situação histórica. A arte barroca expressa a violência e a crueldade, regozijando-se no espetáculo da truculência sanguinária, e lançando as bases de uma estética da violência. Isto não significa que o século XVII seja mais violento que os outros, mas tão-somente que existe uma percepção mais aguda da violência. O homem barroco é um ser em luta consigo mesmo e com os outros homens (princípio da guerra absolutista). O absolutismo é o regime em que o espetáculo da violência, da dor, do sangue e da morte serve para subordinar as massas, transformando assim a violência em meio de repressão e submissão. As festas e divertimentos públicos configuram o espaço de violência.


8. Atração pela morte e pelo macabro. A ênfase na morte visa a impressionar os vivos e, ao mesmo tempo, acentuar a condição adversa da vida.

9. Festa e desespero. O pessimismo barroco comporta também um barroco de festa e de esplendor, definindo o caráter ambivalente desta cultura, que tem na festa uma de suas principais características. Para Maravall, o caráter festivo não elimina o fundo de azedume e melancolia, de pessimismo e desengano. Mas somente movendo da experiência dolorosa de um estado de crise, que o Barroco reflete ondas que atraem as massas cansadas e as impele a aderir àqueles valores e personagens. O bipolarismo revela-se no riso e no prato diante do espetáculo da vida e das coisas. Na arte barroca, tem-se a criação de um universo grandioso sob muitos aspectos, mas quase sempre hostil e dominado pela fatalidade e por forças ocultas.

10. Visão mercantilista: que prega a conquista do maior número de bens que a natureza oferece. Mas, ao mesmo tempo, acredita-se que a natureza é constituída por um volume de bens e alimentos inalterável, do ponto de vista quantitativo. Ora, a vontade de poder, mais a crença do número finito de bens leva necessariamente os homens a voltarem-se uns contra os outros. Daí o caráter de luta e concorrência da sociedade mercantilista.

11. Interesse pelo homem, de um ponto de vista diferente do do Renascimento. Aqui, privilegia-se o estudo para saber como o homem funciona e como ele se comporta. Porque o barroco concebe a vida como processo, como constante vir a ser. Assim como a vida não resulta acabada, a realidade também é um constante “fazer-se”. Daí a predileção pela pintura incompleta, pela arquitetura que esconde os contornos precisos, pela literatura emblemática que deixa ao leitor a tarefa de conclui-la. Como disse Grácian, “não se nasce completo”. O homem realiza, então, sobre si mesmo e sobre os outros um trabalho de oleiro. Indagar, conhecer, experimentar, fazer da vida o objeto final de toda investigação - eis a proposta do homem barroco. Segundo Maravall, o homem barroco revela-se extremamente atento a uma “arte do comportamento” , traduzindo-se na reflexão sobre a prática do comportamento humano em geral. Em El Criticón, Gracián revela o interesse que tem o homem pelo modo de ser, pela vida, pelo caráter ininterrupto desta, a sua condição de realizar-se incessantemente. As obras literárias do Barroco vão expressar a inquieta preocupação do homem em fazer-se, a si mesmo, num constante exercício de escolha.

12. Tendência a revelar a experiência humana, mediante a observação singularizada do ser humano, de modo a promover o afastamento do universal dos fenômenos humanos e valorizar a elaboração do individual. Assim, Rembrandt vai buscar o testemunho, transformado em documento plástico, de pessoas envelhecidas, em cujos corpos a passagem da vida teve uma bem visível ação individualizadora. Este processo corresponde à mudança que a noção de experiência sofre no Renascimento – que vê no mundo fenomênico a manifestação ou reflexo de uma realidade objetiva - e no Barroco, para o qual a experiência é tradução de uma visão interior. Vale observar que o apelo à individualização da experiência suscita um sentimento de mudança e variação, que provoca, por sua vez, a afirmação do movimento inerente a todas as coisas.

Recursos da cultura barroca
a. Extremosidade: a simplicidade ou a exuberância levadas ao limite. Gosto pelo exagero: a estética barroca propõe o exagero e a surpresa, inventada para assombrar o público. Predomínio do dramático da expressão, para revelar os casos de extrema tensão na experiência humana das coisas e dos outros homens. A matéria heróica, por exemplo, é muito adequada para propiciar situações de extremosidade. Trata-se, em suma, de impressionar através do extremado e o desmedido. Nesse sentido, o barroco não pretende dar testemunho de uma existência satisfeita e em repouso, mas de um estado de excitação e turbulência.
b. Suspense ou suspensão. O esforço para cortar de imediato um sentimento provoca uma reação que altera o curso normal do desenvolvimento afetivo da pessoa e debilita sua resistência. Muda-se o rumo da atenção e do sentimento e o resultado é o maravilhar-se. Objetivo: atrair e sujeitar, com maior afinco, aqueles a quem se dirige. A suspensão tem a ver também com a técnica do inacabado, que permite que o olho que contempla termine por propor o que falta e por propô-lo a sua maneira. Daí a pintura de manchas e borrões, de pinceladas distantes. O receptor da obra barroca que, surpreendido ao vê-la inacabada ou tão irregularmente construída, fica por alguns instantes em suspenso, sentindo-se, depois, compelido a participar dela. A técnica do suspense relaciona-se com a utilização de recursos do móvel e do cambiante, dos equilíbrios instáveis, do inacabado, do estranho e extraordinário.
c. Difícil ou obscuro. O obscuro opera sobre o público da seguinte maneira: atraindo-o, sujeitando sua atenção, tornando-o partícipe da obra, obrigando-o a esforçar-se em seu deciframento, provocando por essa via uma fixação da influência da obra sobre o leitor. Há no século XVII, um reiterado elogio da dificuldade, que está em ser colocado pedagogicamente: um bom e eficaz ensinamento deve servir-se do difícil, e portanto, do caminho do obscuro para que se obtenha, como resultado, um enraizamento mais sólido do saber. Na arte, o difícil e obscuro aparecem sob a forma de deformações e distorções do objeto.
d. Novidade. Os critérios para a apreciação de uma obra são as qualidades de novidade, estranheza, invenção, extravagância, ruptura de normas, que tem a ver com a necessidade de buscar a dificuldade. O novo agrada, o nunca antes visto atrai, a invenção que estréia embeleza; mas todas as aparentes audácias serão permitidas desde que não afetem a base das crenças sobre as quais se assenta a estrutura social da monarquia absolutista; ao contrário, servindo-se dessas novidades como veículos, introduz-se mais facilmente a propaganda persuasiva a favor do estabelecido. Como o barroco prefere apelar a recursos extra-racionais que movam a vontade, a novidade apresenta-se como um recurso privilegiado. De modo geral, o obscuro e o difícil, o novo e o desconhecido, o raro e o extravagante, o exótico, tudo isso entra como recurso eficaz na perspectiva barroca, que se propõe a mover as vontades, deixando-as em suspenso, provocando admiração e paixão por aquilo que antes não haviam visto.
e. Artifício. O homem barroco prefere a natureza transformada pela arte à natureza simplesmente. “Nunca a natureza produz algo em benefício do homem que não necessite que a arte e seu engenho o aperfeiçoem”. Daí o gosto pelas invenções mecânicas, pelo relógio, pelo teatro, pelas invenções cênicas inauditas.
f. Jogos de luz e sombra. Relacionam-se a obtenção de resultados de surpresa, que apelam para o extra-racional. Em um mundo mutável, variado, reformável, o gosto pelas mudanças e pelas metamorfoses se satisfaz nos jogos cênicos e no interesse apaixonado pelos artifícios nos recursos das tramóias.
g. Festa. As festas são extremamente comuns no Barroco, e se caracterizam pelo alto investimento, pela exuberância e luxo. A festa oferece uma ocasião para atuar sobre a multidão, devendo ser portanto grandiosa. A festa funciona como um instrumento de afirmação de caráter político e religioso. E como tal, ela deve contar com alguma invenção, um mecanismo engenhoso, um artefato inusitado, como fogos de artifício.

13. Gosto pela variedade. Um mundo dinâmico e que muda é, necessariamente, um mundo vário. A variedade faz parte desta concepção barroca. Contra a unidade do renascimento, o barroco vai proclamar que “assim é a vida, sempre variável, nunca una, e ao fim nada”. O belo é variado: “a beleza da natureza consiste na sua variedade”. Na literatura política, a variedade torna-se um topos: os povos, os costumes, os caracteres. Diante desta diversidade, o governo deve empreender um conhecimento sistemático para que possa ser exercido de forma eficaz. A vida do homem também é vária: “desde a infância até a velhice tudo é variedade” (Suárez de Figueroa).

Os cinco pares formais da história da arte, segundo Wolfflin

HEINRICH WOLFFLIN, Conceitos fundamentais da história da arte.


CLASSICO
a.) Linear. Valorizacao da linha e do contorno. Olhar percorre a linha e o contorno. Linha e um limite firme. Forma e inabalavel. Linhas regulares, claras e delimitadoras. Representam as coisas como sao. Da a vontade de tocar com os dedos - e tatil. Forca tudo a nitidez do objeto: pressupoe um olhar que de conta de todo o quadro, num unico relance. Concepcao visual unificada. Arte do ser. Objeto em si mesmo. Supremacia da linha sobre a luz e a sombra. O material da forma (nu, por exemplo) nao fica explicitado. Representacao da essencia da realidade. Desvalorizacao da textura do tecido (p.e., nas pregas). Neutralidade na representaccao da materia. Exemplo: Ultima Ceia de Leonardo da Vinci, Escola de Atenas de Rafael. Escultura: David de Michelangelo e Davi de Bernini.

b.) Plano. sucessão de planos distintos e bem ordenados. Busca de combinação das formas no plano. Visão do observador se defronta com uma configuração sólida no primeiro plano, atraindo o olhar para o plano. Na arquitetura, o plano significa a estratificação por planos distintos, sendo que toda a impressão de profundidade é uma decorrência disso.

c.) Forma fechada. A obra é um organismo fechado e autônomo. Nada pode ser alterado, sob pena de comprometer toda a obra. Nete caso, existe a predominância dos eixos verticais e horizontais. A obra apresenta a imagem como uma realidade limitada em si mesma, que, em todos os pontos, se volta para si mesma. Tendência à simetria perfeita. Exemplo na pintura: Escola de Atenas de Rafael. Na escultura, tem-se a integração perfeita entre estátua e arquitetura. Na arquitetura, tem-se a valorização dos ângulos retos, o respeito às leis e normas, de que decorre a sensação de serenidade. Ênfase nos elementos geométricos.

d.) Pluralidade (ou multiplicidade). A obra é concebida como uma unidade, como uma composição subordinada a determinadas regras. Vida autonoma dos elementos/ cada elemento é tratado individualmente/ num todo perfeitamente estruturado. O clássico constitui um sistema articulado de formas. Aqui nenhum detalhe predomina na obra. Na arquitetura, para os clássicos, uma janela continua a ser uma parte claramente isolada, embora não possa ser percebida como tal pelos sentidos, ou seja, é impossível vê-la sem perceber a sua relação com a forma maior do espaço em que se acha inserida, ou seja, a superfície geral da parede. Existência de sucessão de formas horizontais e verticais.

e.) Clareza. Para a arte clássica, não existe beleza se a forma não se manifesta em sua totalidade. Todos os meios de representação estão a serviço da nitidez formal. Na arquitetura, a forma se expressa com clareza insuperável, revelando seus elementos sustentadores e sustentados, exibindo suas paredes e articulações. Buscar a clareza significa, para os clássicos, buscar a representação de formas estáveis e perenes. Arquitetura clássica baseia-se na idéia de que a beleza reside nas proporções geométricas, e estas devem ser vistas com clareza.


BARROCO
a.)Pictórico. Desvalorização da linha. O olho não vê em linhas, mas em massa. Objetos são manchas. Todos os pontos do contorno são animados por um movimento constante. Forma 'e indeterminada: contorno fugidio. Forma pictórica e resultado do jogo de luz e sombra. A forma pictórica nunca coincide com o real. Representação das coisas como elas aparecem - e não como elas são. Oferecem a impressão ótica do objeto. Quadro não e tátil, mas visual. Triunfo da aparência sobre a realidade. Reproduz apenas o que o olhar apreende quando vê em conjunto. Arte do parecer. Objeto em seu contexto. Supremacia da luz e sombra sobre a linha. Textura da forma fica clara (nu, p.e.). Representação do vir-a-ser transitório. Valorização da textura do tecido. Interesse pela qualidade das superfície. Na escultura, o observador é obrigado a dar a volta na obra, pois sempre terá a impressão de que falta algo que é preciso descobrir. A escultura avança em direção ao observador. Exemplo de escultura barroca: Beata Lodovica Albertoni.


b.) Profundidade. Composição voltada para os efeitos de profundidade. Profundidade desordenada e caótica. Valorização das relações entre os elementos da frente e do fundo da tela. O olhar do observador é atraído para o fundo da tela. O espaço da tela sugere um movimento homogêneo em direção ao fundo. o barroco evita qualquer impressão planimétrica: ela busca a essência do efeito, o cerne da imagem, na intensidade da perspectiva em profundidade. O barroco não pretende que o corpo do edifício se imobilize num ponto de observação determinado. Truncando os ângulos, ele consegue obter planos oblíquos, que orientam o olhar. Esteja o observador frente à fachada frontal ou frente à lateral, ele sempre perceberá a presença de partes em escorço na imagem.


c.) Forma aberta: O estilo aberto significa que a imagem extrapola a si mesmo em todos os sentidos e pretende parecer ilimitado, ainda que subsista uma limitação velada. Tem-se o predomínio das diagonais, que extravazam para fora da tela (tela é um fragmento). Tendência à negação da simetria: o barroco enfatiza apenas um lado, e cria relações de equilíbrio oscilante, a fim de evitar a ausência total de equilíbrio. O barroco se compraz em deixar que uma direção prevaleça, e por a cor e a luz se distribuírem de forma desigual, cria-se uma relação tensa. Na escultura, nota-se que a estátua tende a se libertar do nicho e do pedestal, recusando-se a vinculação com a parede. Estátua tende a se libertar do plano. Na arquitetura, rompe com a forma fechada, subvertendo as regras do clássico e contrariando o efeito de serenidade. A arquitetura barroca almeja a impressão de tensão e movimento. Arquitetura rompe com as regras e valoriza a liberdade, buscando o efeito plástico e orgânico. É como se a matéria se tornasse mais macia e flexível.

d.) Unidade. O artista barroco se atém a um motivo principal, ao qual subordina tudo. Disso resulta que nenhum elemento sobrevive sozinho/ nada pode ser destacado e ser visto per si. O efeito produzido pela imagem já não depende da maneira pela qual os elementos isolados se condicionam e equilibram reciprocamente; pelo contrário, do todo transformado em um fluxo único emergem formas isoladas de caráter absolutamente dominante, cujo sentido fica comprometido se deslocadas do todo. Barroco oferece um fluxo infinito. Dissolução do caráter autônomo das formas isoladas e a formação de um motivo geral dominante. Na arquitetura barroca, a parte, enquanto valor independente, é absorvida totalmente pelo todo. Já não se trata da fusão de formas belas num todo harmônico, onde as partes continuam a ter vida própria; e sim da submissão das partes a um motivo geral predominante, de sorte que elas somente ganham sentido e significado na medida em que participam do efeito global. Existência de grandes composições unitárias, em profundidade, nas quais as partes renunciam em favor de um novo efeito global.

e.) Obscuridade. Busca da obscuridade: a imagem não coincide com o grau máximo de nitidez objetiva, mas, pelo contrário, evita-o. Obscurecimento visa à intensificação do prazer, para dificultar a percepção visual. A pintura barroca considera a antiga forma de ver (clássica) e apresentar as formas como algo antinatural e impossível de ser imitado. O barroco evita a sensação de que o quadro tenha sido composto para ser visto e de que possa ser totalmente apreendido pela visão. Beleza está na obscuridade. Para o artista barroco, as coisas na natureza não têm a mesma nitidez e claridade que se encontra na pintura clássica. Para o artista, a arte expressa aquilo que os olhos captam, isto é, a aparência e não a essência das coisas. O barroco busca o inacabado: a forma deve ser algo mutável, que está se transformando continuamente. Barroco evita a frontalidade clássica.

Princípios gerais da arte e cultura barrocas.

- Movimento: Velasquez, Peter Paul Rubens (Maria de Médicis), El Greco, Santa Teresa d’Avila de Bernini; San Carlino alle Quatro Fontane, de Francesco Borromini; Palácio Carignano, de Guarino Guarini, Rubens em A festa de Vênus.
- Mundo como aparência: retratos de Velazquez da família real. Descrença no valor da verdade. "Nesse mundo em que tudo é enganoso, a vida é uma teia de meras aparências, e nada é o que parece ser. É o mundo do trompe l’oeuil, do simulacro: la vida es sueño. "
- Violência: Rembrandt Van Rijn. Boi esquartejado (Museu do Louvre); Rembrandt, Lição de anatomia; Davi com a cabeça de Golias, de Caravaggio Judite e Holofernes, de Caravaggio; A crucificação de São Pedro (Caravaggio).
- Interesse pelo conhecimento do homem: retratos de Rembrandt.
- Variedade do mundo: retrato do bufão Calabazas ou Calabazillas, de Velazquez; retrato de Don Diego de Acedo, de Velazquez; retrato de O bobo da corte Sebastián de Morra (Velazquez).
- Sensação de incompletude
- Mundo como teatro/representação.
- Gosto pela ostentação

Notas rápidas sobre a arte barroca.

Objetivo do artista:
- provocar sentimentos.
- quer atuar sobre a ordem sentimental e não intelectual dos homens.
- ilusionismo visual
- ênfase na profundidade (extensão do espaço).
- realidade do objeto próximo confere veracidade aos elementos sobrenaturais. De modo que a experiência direta da realidade dá a base para ir para além do real (verossimilhança). Se o que está próximo é verdadeiro, o que está longe também.
- elasticidade do tempo e do espaço.
- ilusão das coisas
- busca da surpresa visual.


Ilusão e maravilha
- ilusão: alteração de uma condição normal. Tal alteração determina um choque emotivo que determina a maravilha.
- alteração das medidas e dimensões naturais das coisas (efeito de maravilha/ surpresa). Baldaquim de Bernini. Não é uma imitação do real; persuade a imaginar.
- escala de medidas são relativas.

Imitação
- gosto pela imitação
- artista extrai prazer em mostrar como a pintura é uma imitação onde a realidade é tão bem simulada.

Espaço barroco
- criação de um espaço imaginário/ não-natural. É como se penetrássemos num mundo em que as nossas regras não se aplicam.
- arte barroca cria espaços imaginários, tanto na arquitetura quanto na pintura, cuja função é romper com a ilusão do espaço fechado.
- a característica mais importante é o infinito como valor essencial, rompendo-se a forma fechada das estruturas arquitetônicas.
- a integração das artes num ilusionismo ótico barroco ocupa o espaço, transformando-o em algo imaterial, intangível e infinito, isto é, espiritual.
- a arquitetura cria um organismo vivo, que integra o espectador à arquitetura. A obra não é vista, mas vivida.
- especulação arquitetônica: esta especulação tem por objetivo conseguir um todo que não seja a composição das partes. Ela visa a total integração espacial e a eliminação de zonas de conflito que quebrem a idéia globalizadora do espaço. Consegue-se assim que o itinerário visual do espectador concentre-se sucessivamente, seguindo um percurso longitudinal, na fachada e no altar e no altar. Reforça-se assim o sentido teatral do espaço, que recolhe num só ponto, fazendo-as confluir, todas as partes do conjunto. Assim, o espectador não está num lugar do espaço, mas dentro do próprio espaço, absorvido pelo movimento e pela interpenetração das partes num todo. A arquitetura barroca leva-nos a um percurso visual que, por falta de elementos diferenciados, leva-nos sem descanso ao longo de um contínuo sem fim.
- tendência de afastamento do plano para a profundidade.
- sugestão do ilimitado, incomensurável, infinito.
- espaço é compreendido como algo em processo de formação, como uma função.
- o método empregado pelo barroco para dar a profundidade espacial é o uso de primeiros planos maiores do que o tamanho natural, de figuras relevadas, trazidas para o alcance do observador, e de uma súbita redução de proporções nos motivos do fundo.
- espaço é criado pelo espectador: é uma forma de existência dependente dele.
- composto por dimensão, proporção e direção.
- concepção de realidade: universalista (valor essencial do espaço/ é o espaço que determina a figura/ esta está em relação com uma parede, o céu, a luz, etc.) ou nominalista (valor essencial do objeto: o espaço é definido pelo objeto).
- na arquitetura: o prédio domina o espaço e o ambiente, estes ficam reduzidos a um fundo naturalista (Bernini). Ou: o edifício é colocado em relação a outros edifícios ou a paisagem, que o constituem (Borromini).
- na arte barroca as composições dão a impressão de serem incompletas ou desconexas: parece tenderem para alem delas próprias, poderem continuar-se. Ao contrario do clássico, onde representa-se um fenômeno autônomo, onde todas as partes de um quadro são interdependentes, onde nada é supérfluo.
- composição: um lado é sempre mais acentuado que outro.
- desprezo pela idéia de simetria.
- violentas diferenças no tamanho dos objetos vistos na perspectiva.
- formas que sobressaem de forma violenta do quadro.
- pormenor ou detalhe não tem qualquer significado em si.
- escala de medidas são relativas, sem preocupação com a proporção. Emprego de escalas diferentes.
- valorização do efeito visual.
- não pressupõe o espectador parado. Convida-o a se movimentar. Movimento do espectador confere movimento a fachada.
- barroco visa alterar a medida das distancias e dos tamanhos.
- espaço não é geométrico/ não é um cenário vazio, enquanto se espera a chegada dos atores. O espaço terá dimensões e direções infinitas, pleno de coisas, cada um das quais será ao mesmo tempo central e periférica.

Tempo barroco
- o quadro dá um aspecto passageiro da realidade, em que o observador tem a boa sorte de participar só por um momento.
- ponto de vista artístico do barroco é cinematico: os acontecimentos representados parecem ter sido surpreendidos. É um puro acaso.

Percepção do barroco
- apelo à emoção do espectador.
- dificuldade para se apreender os motivos.
- busca dar a impressão de que o quadro não foi previamente concebido em sua totalidade.
- fim do demasiado claro e óbvio.
- atração pelo difícil e complicado.
- quer despertar no espectador o sentimento do incompreensível e do inenarrável da representação.

Visão pessimista do homem e do mundo

"Estes testemunhos denunciam a agressividade e violência do ser humano, o que, em primeiro plano, põe em relevo o pessimismo com que ele é contemplado. Violência pública, social, nas guerras, nas práticas penais da época, nos homicídios, roubos e demais delitos que diariamente são cometidos; violência nas relações privadas, interindividuais..."
MARAVALL, A cultura do barroco, p. 263.

Trecho de Sérgio Paulo Rouanet sobre a cultura neobarroca

"Sexto, a moderna cultura de massas mobiliza todos os seus recursos técnicos para programar os homens, por um lado para induzi-los à docilidade, ao conformismo social e político, e por outro para confrontá-lo com o espetáculo da violência. Nada mais semelhante à cultura barroca, cuja principal função era inculcar a obediência à Igreja e ao soberano, e que procurava incutir nos súditos e nos fiéis a convicção de que sem um poder absoluto o homem ficaria exposto a todos os horrores da história, simbolizados pelas cenas de decapitação e desmembramento do teatro barroco, por suas alegorias da morte, pela visão da história como ruína, como ossuário. Talvez também seja essa uma das funções da exploração da violência em nossos dias - mostrar que não há saída fora da lei e da ordem. De qualquer modo, nosso presente também está sob o signo do memento mori, e também tem seu ossuário, representado por atrocidades infinitamente mais desumanas que as praticadas durante a guerra dos Trinta Anos, que serviram de pano de fundo para o barroco do Seiscentos. As valas comuns de Auschwitz revelaram corpos decompostos e esqueletos. Recentemente vimos a foto de um iraquiano segurando o crânio retirado de um fossa coletiva, exatamente como Hamlet segurando a caveira de Yorick. Nossas ruínas são as de Berlim e as de Bagdá. Cada vez que alguém morre em nome de valores irracionais – nação, raça, cultura ou religião – é um fragmento de Iluminismo que morre dentro de nós. Nossa melancolia é Trauerarbeit, trabalho de luto pela morte de nossas utopias. "
Fonte: O barroco ontem e hoje - ensaio
Sergio Paulo Rouanet

Dica de leitura sobre o barroco e a nossa cultura.

Visitem a página abaixo:

http://www.psicanaliseebarroco.pro.br/revista/revistas/obras/OK%20O%20BARROCO%20ONTEM%20E%20HOJE%20n.%202.rtf

Estética da crueldade

Segundo Maravall, o homem barroco se compraz diante das imagens de corpos despedaçados, de sofrimento físico, de sangue a jorrar, de necrópsia, enfim, do corpo em situação de dor ou como objeto de curiosidade mórbida. A dimensão física da morte, como esqueleto, cadáveres e túmulos, por exemplo, não o apavora. O que ele teme é sobretudo a dimensão sobrenatural da morte, aquilo que vem depois dela. Menos que um exagero, a representação exaustiva dos temas ligados ao sofrimento físico ecoa a presença massiva da morte no cotidiano do homem barroco. A morte está na ordem do dia.

Cultura barroca, segundo J. A. Maravall

Maravall propõe uma interpretação da cultura barroca a partir do significado e de seus caracteres, de modo a colocar em evidência as condições sociais que contribuem para a sua formação e transformação. Trata-se, em suma, de pensar a cultura em relação com as condições históricas, estabelecendo relações recíprocas entre elas. Daí a idéia de que o barroco é um conceito de época, isto é, datado historicamente, irredutível a um análise meramente formal. Para ele, a cultura barroca surge de uma situação histórica muito específica. Esta visão de uma cultura totalmente integrada às condições sociais vai resultar, na análise de Maravall, no prolongamento de caracteres culturais na estrutura histórica. Assim, o mercantilismo, enquanto política econômica regida pela competição, dá lugar à concepção dos homens como seres altamente competitivos, em luta entre si. O princípio do movimento pode ser localizado tanto nas manifestações artísticas quanto nos tratados políticos, na medicina, na filosofia, etc. Segundo Maravall, “seu método consiste em levar em consideração o máximo de dados constatáveis e os mais diversos do quanto uma época ofereça, para interpretá-los no organismo em que se integram”. Daí o fato de que a investigação de Maravall procede a um inventário morfológico de fenômenos oriundos de campos diversos, de modo a estabelecer ligações entre eles. Segundo ele, “acreditamos firmemente que, em um momento dado, em qualquer campo dos fatos humanos, possa-se falar coerentemente de barroco”. É fundamental observar que, para Maravall, é impossível falar de uma cultura barroca apenas do ponto de vista da arte; cultura e história social estão intimamente ligadas.