quinta-feira, 29 de outubro de 2009

Salomé, la femme fatale


Gustave Moreau, Salomé.

Fonte:

TRAÇOS DECADENTISTAS EM OLAVO BILAC E EMILIANO PERNETA
Fernando Monteiro de Barros (UERJ)
fermonbar@uol.com.br
Armando Rabelo Soares Neto (UERJ)
Ingrid Moura Carlos (UERJ)

"Aliás, quando se fala em Decadentismo, estilo artísticoliterário
surgido na França do final do século XIX, a imagem feminina
que emerge é única: Salomé. Esta personagem profana, eleita a
femme-fatale por excelência da estética de Huysmans e de Oscar
Wilde, traz em seu próprio mito uma rubrica sádica, bem ao gosto da
concepção perversa de amor dos decadentes. Ao dançar para Herodes,
a princesa conquista a possibilidade da realização de qualquer
um de seus desejos, mas, influenciada por sua mãe, pede somente a
cabeça de João Batista. Sedutora e cruel, Salomé encarnaria o modelo
da mulher decadente, conforme ratificado por Latuf Mucci (1994,
p. 71): “o tema de Salomé identifica-se com a concepção decadentista
do amor, que une desejo e morte, volúpia e fatalidade, mulher e
abismo”."


No odor perverso dos incensos, na atmosfera superaquecida dessa
igreja, Salomé, o braço direito estendido num gesto de comando, o esquerdo
dobrado segurando um grande lótus à altura do rosto, avança lentamente
nas pontas dos pés, aos acordes de uma guitarra cujas cordas são
feridas por uma mulher agachada (As avessas, Huysmans, 1987, p. 84).

Ela não era mais apenas a bailarina que arranca, com uma corrupta
torsão de seus rins, o grito de desejo e de lascívia de um velho; que estanca
a energia, anula a vontade de um rei por meio de ondulações de
seios, sacudidelas de ventre, estremecimentos de coxas; tornava-se, de
alguma maneira, a deidade simbólica da indestrutível Luxúria, a deusa da
imortal Histeria, a Beleza maldita, entre todas eleita pela catalepsia, que
lhe inteiriça as carnes e lhe enrija os músculos; a Besta monstruosa, indiferente,
irresponsável, insensível, a envenenar, como a Helena antiga, tudo
quanto dela se aproxima, tudo quanto a vê, tudo quanto ela toca.
(Huysmans, 1987, p. 86)

Teophile Gautier, “Uma noite de Cleópatra” (1838).
"Sobre esse estranho travesseiro repousava uma cabeça bastante encantadora,
da qual um olhar pusera a perder a metade do mundo, uma
cabeça adorada e divina, a mulher mais completa que já existiu, a mais
mulher e a mais rainha, um tipo admirável ao qual os poetas nada puderam
acrescentar, e que os pensadores continuam a encontrar no final de
seus sonhos: não é necessário nomear Cleópatra. (Gautier, 2006, p. 40)"

"Sou boa, entrego-me à tua loucura; teria o direito de mandar matarte
agora mesmo; mas disseste que me amas, mandarei matar-te amanhã;
tua vida por uma noite. Sou generosa, compro-te a vida, poderia tomá-la.
Mas o que fazes a meus pés? Levanta, e me dá tua mão para voltar ao palácio.
(Gautier, 2006, p. 59)"

Mulheres na arte do século XIX



Cleopatra, 1888


Vejam o blog: http://confrariadaarte.blogspot.com

Cleopatra, de Delacroix

A mulher na arte do século XIX

Fonte:
PRAZ, Mário. A carne, a morte e o diabo na literatura romântica. Campinas: Unicamp, 1996.

A bela dama sem misericórdia
-Imagem da mulher fatal aparece desde a Antiguidade, com o mito de Lilith.
-Ganha contorno especial na literatura romântica
-Estudo de Praz privilegia a progênie da mulher fatal na literatura, mostrando a contribuição de cada autor para fixar um certo tipo.
-Beleza feminina tem um sentido mágico, metafísico
-Aparece o tema da mulher fatal na Segunda metade do século XIX.
-na primeira metade do século XIX, tem o herói de Byron que é o homem fatal; depois na Segunda metade é a mulher; e no final do século XIX, é o tipo andrógino. O macho, primeiramente tendendo ao sadismo, inclina-se ao masoquismo no final do século.

Características da Mulher Fatal
-é diabólica
-muitas vezes pode Ter poderes sobrenaturais
-desperta paixões arrebatadoras.
-é inatingível
-é fria e insensível
-faz o homem sofrer e cair aos seus pés.
-o homem perde o controle de si e da sua vida social.
-exemplo: Carmen
-a mulher fatal pode ser exótica, como Carmen.
-associação da mulher exótica ao erotismo: ideal exótico e ideal erótico. O exotismo é normalmente uma projeção fantástica de uma necessidade sexual, uma forma de se transportar através do sonho a um clima de Antiguidade barbárica e oriental, por exemplo, onde todos os mais desenfreados desejos podem se desafogar e as mais cruéis imaginações assumem forma concreta.
-O exotismo estará ligada à raça (espanhola ou negra), e depois vai se modelar nas mulheres de Dostoievski, cuja Nastassia Filippovna é a mais característica do gênero.
-domina a arte do sexo: leva o amante ao priapismo. Não sacia a paixão.
-frequentemente mata o macho depois do amor: canibalismo sexual.
-geralmente são grandes cortesãs, personagens históricas de rainhas luxuriosas, e famosas pecadoras.
-mulher fatal: encarna em todos os tempos e em todos os países um arquétipo que reúne em si todas as seduções, todos os vícios e todas as volúpias.
-mulher é dona de uma exuberância sexual que não encontra parceiro à sua altura.
-a mulher fatal traz um princípio de morte, realçado pela palidez. Ela traz em seu corpo a alusão à morte. Mulher não tem uma gota de sangue.
-Quanto mais próxima da morte, mais bela é. Idéia da morte como beleza suprema.
-irada: é um epíteto para a mulher fatal, pois o poeta diante dela se imagina nas vestes de vítima impotente.
-é uma máquina brutal de amor, voraz e insuperável na arte de quebrar a coluna dos homens.
- mulher fatal é capaz de pôr fogo no mundo. É pálida, impura, maléfica, voraz, queimada de orgulho, cheia de vingança, esfaimada de ouro e poder.
- o herói byroniano tinha muitas vezes origem misteriosa e nobre, é assim também ocorre com a mulher fatal, cuja origem é misteriosa e nobre. E, como o super-homem byroniano, a superfêmea assume um comportamento de desafio contra a sociedade.
-a mulher não só representa o princípio ativo na distribuição do prazer, mas também na regência do mundo: a fêmea é agressiva, ao passo que o macho vacila.
-fêmeas histéricas, de vontade exasperada, nas mãos de quem o homem se torna um instrumento submisso.

Mulher defunta
-é o amor por mulheres representadas em estátuas, quadros – ou simplesmente defuntas.
-homem pode se enamorar de alguém que já morreu há muitos anos atrás.
-é uma fantasia romântica
-atração pelas mulheres nascidas de mães defuntas: valorização da palidez.
-nos romances, há muitas vezes elementos de necrofilia.
-homem quer beber até a última gota de sangue da mulher: canibalismo sexual.

Mulher doente
-interesse pela mulher morta ou semi-morta.
-há romance em que a mulher fatal é a mulher recém-curada de doença de útero; em outros, a mulher está doente; pode ser uma epiléptica ou uma demente.
-Fascinação diante da mulher estéril: maldição de uma ventre em que a inutilidade do amor parece uma transgressão monstruosa à lei suprema.
-Interesse pelos defeitos do corpo: ‘as feições mais vulgares exerciam sobre ele uma atração irritante’.

Repertório
-interesse pela anomalia: lésbicas, leprosas, etc.
-este repertório do diferente dá ao homem um senso de isolamento, causado por uma diferença radical de emoção sexual em relação ao resto dos homens.
-satanismo: alusão à profanação dos objetos sagrados, à libação com o cálice cheio de sangue e até sacrifícios humanos.
-Mulher fatal como avessa a todas as regras sociais.
-cenas de sadismo e morte dos homens ou mulheres
-prática de incesto.
-volúpia diante do martírio: o sangue a correr age sobre a bestialidade das fêmeas humanas.
-o fundo oriental é substituído depois pelo ambiente de um hospital.

Sadismo
-mulher fatal gosta do sangue do homem.
-associação do prazer e da dor: a volúpia da dor. Crença de que a dor e o espasmo dos sentidos carnais são coisa comum tanto no prazer quanto no sofrimento.
-homens procuram a dor como um prazer, querem ser vítimas da mulher.
-aproximação do amor com a morte.
-homem quer morrer pelas mãos da mulher amada.
-idéia de Sade: a idéia de que Deus golpeia igualmente o justo e o injusto, e mais ainda o primeiro que o segundo. Idéia de que a dor e a morte estão por toda a parte na natureza; que o delito é a sua lei; a concepção de Deus como um ser de maldade suprema e a revolta do homem contra essa divindade que ele renega.
-ênfase aos elementos canibalescos do sadismo.

Semelhanças entre o exotista e o místico
-o místico se projeta fora do mundo, numa clima transcendental onde ele se une com a divindade; o exotista se transporta com a fantasia para fora do tempo e do espaço e imagina ver no passado e no remoto o clima ideal para a felicidade dos próprios sentidos.
-Exotista: “ele se embala com alguns inexprimíveis devaneios orientais, plenos de reflexos de ouro, impregnados de perfumes estranhos e retumbantes de rumores alegres; ele desenvolve ali sentimentos de elegância, de nobreza e de sensualidade e, ao invés de entender que, pela sua própria natureza, tais estados residem no interior; ele pensa que os encontrará realizados em outros lugares”.
-o místico culmina com um mundo inefável, o exotista consegue concentrar-se a tal ponto naquele clima remoto no tempo e no espaço, que dá ao artista a ilusão de uma efetiva existência anterior naquele clima idolatrado. O místico nega o mundo dos sentidos; o exotista o afirma. O místico esvazia de conteúdo material o seu universo e o exotista que se investe da vibração de seus sentidos e materializa as épocas remotas e os países distantes, há uma semelhança de intenções; ambos transferem a um mundo ideal, de sonho, a realização de seus desejos, ambos, com a finalidade de provocar as condições necessárias para viver intensamente seus sonhos, recorrem sempre a estímulos, como o jejum, a vigília, no caso do místico, o ópio ou outro estimulante no caso do exotista.
-Exotismo romântico: nutre-se de um clima cultural especial, e que é também chamado de nostalgia.
-Exemplo de êxtase do exotista: “Segundo meu estado, eu estou com Aquiles nos terraplenos e com Téocrito nos vales da Sicília. Ou sinto-me viver em Tróilo, repetindo estas palavras: ‘eu erro como uma alma perdida às margens do Estige, à espera de transporte’, dissipo-me no ar com uma volúpia tão delicada que fico contente de estar só”. Exotista é um extático, um desterrado do seu próprio eu presente e atual.
-Exotista é um colecionador de sensações
- Passado antigo: onde tudo era permitido.
-Cleópatra: é uma das primeiras encarnações românticas do tipo da mulher falta.
-Galeria de mulheres fatais que se projetam sobre um fundo exótico.
-Atmosfera dos romances: medievalismo pré-rafaelita sinistro e satânico.
-Fundo dos romances: fundo oriental, luxurioso, cruel e magnífico, sobre o qual se desenhavam as superfêmeas de Gautier.

Herói byroniano
-é ele quem atrai e queima na primeira metade do século XIX
-é ele o homem fatal
-o herói byroniano também é pálido

Mulheres fatais na história
-evidentemente, parte-se de uma apreciação equivocada do passado.
-é a idéia do eterno feminino personificado no cortejo das luxuriosas rainhas orientais de nomes estranhos.
-Cleópatra
-Lucrécia Bórgia
-Semiramides
-Herodíade
-Esfinge
-Vênus e Adônis
-Diana e Endimione
-Salomé

Cleópatra
-idealizada e desvirtuada: matava de manhã o amante com quem tinha passado a noite.
-História + Oriente fabuloso
-é a encarnação perfeita da antiga luxúria.

Homem vítima da mulher fatal
-jovem é belo, casto, selvagem.
-pode ter uma atitude passiva, é obscura, inferior à mulher na condição física e ela está diante dele na mesma relação que a aranha fêmea estão diante do respectivo macho: o canibalismo sexual é monopólio da mulher.


Gautier
-fundador do estetismo exótico
-a mulher fatal aparece geralmente sobre um fundo exótico.
-nostalgia pelo passado, pelas suas imensas sensações
-passado: onde tudo era permitido, desde o mais estranho até o mais monstruoso.

Mulher fatal na literatura:
-Cécily, de Mystères de Paris
-Theóphile Gautier, Oscar Wilde, Walter Pater, D’Annunzio.

Gioconda e a mulher fatal
-foi Walter Pater que fez a grande descoberta de ler a história da mulher fatal no sorriso de Gioconda, “o impenetrável sorriso, sempre animado de algo sinistro, que se espalha por toda a obra de Leonardo (...) Todos os pensamentos e toda a experiência do mundo deixaram ali os seus sinais e as suas marcas graças ao poder que têm de refinar e tornar expressiva a forma exterior: o animalismo da Grécia, a luxúria de Roma, o misticismo da Idade Média com a sua ambição espiritual e os seus amores ideais, o retorno ao mundo pagão, os pecados de Bórgia”.

Visão da Guerra em Velazquez: Marte, de 1640

terça-feira, 27 de outubro de 2009

Sobre a Guerra: Apocalypse Now

Ver o site: http://www.youtube.com/watch?v=Gz3Cc7wlfkI

quinta-feira, 15 de outubro de 2009

Indios americanos


Indianismo: exaltação de que índio ?

Pessoal do Seminário sobre Indianismo

Aí estão as imagens que prometi: são cinco daguerreótipos produzidos na França em 1844 por E. Thiesson e que se encontram na Photothèque du Musée de l'Homme, Paris, retratando um homem e uma mulher Botocudo (Naknyanúk).

Acho que estas imagens são o reverso do indianismo: entre o índio real (de carne e osso) e o índio das artes plásticas, existe um abismo insondável.

Como material bibliográfico para explorar as belas fotografias, sugiro o artigo que está no link abaixo:

http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0104-59702001000500013&script=sci_arttext

Abraço e sucesso a todos!

Fotografias de Indios brasileiros, Paris em 1844



















Os Puri, Rugendas

Indianismo romântico

Fonte: O IMAGINÁRIO DA NAÇÃO NAS ALEGORIAS E INDIANISMO ROMÂNTICO NO BRASIL DO SÉCULO XIX, de Solange Padilha.


"A temática do Romantismo nas artes plásticas sofreu importante influência da literatura e da história. As imagens de Victor Meirelles, Pedro Américo, Rodolfo Amoedo, Augusto Rodrigues Duarte, José Maria Medeiros, irmãos Bernardelli, Chaves Pinheiro evocaram a brasilidade emergente evocando José de Alencar (Iracema, O Guarani, Ubirajara, o Jesuíta), Gonçalves Dias (I Juca Pirama), Gonçalves de Magalhães (Confederação dos Tamoios); Araújo Porto Alegre e Pereira da Silva (na revista Niterói - 1836 - 1892) e também do poema Caramuru (1781), escrito ainda no século XVIII por Frei José de Santa Rita Durão, um épico da fundação de Salvador e das peripécias de Diogo Álvares Correia, obra inspiradora da estatuária “vinte e oito de setembro”, citada no último parágrafo.

As características formais dos românticos da Escola Imperial de Belas Artes deram ênfase à expressividade da luz, ao traço orgânico e as cores vibrantes que enalteciam o sentimento apaixonado de uma estética oposta à precisão e nitidez fria e exemplar do neoclássico. O paradigma da emoção sobre a razão valorizou ainda a beleza da mulher indígena, aspectos religiosos e morais, a bravura e pureza da alma humana.

A morte foi um dos temas preferidos do indianismo, com uma grande quantidade de quadros representando o indígena morto em conseqüência da sedução amorosa ou de batalhas. O Último Tamoio (1883 – óleo sobre tela - 180 x 260cm) foi realizado por Rodolfo Amoedo em Paris durante o período que ele freqüentou ateliês de acadêmicos franceses. Representa a morte de um índio numa praia deserta do Rio de Janeiro, com um jesuíta que se debruça sobre ele. Este quadro traz subjacente a realidade histórica da Confederação dos Tamoios (1554-1563) cujo termo, não corresponde à designação de um grupo étnico, mas o conceito político que significou para os confederados tupinambás, aimorés e goitacazes revoltados contra a escravidão e o julgo dos portugueses no século XVI, “aquele que é mais antigo”. A realidade histórica por detrás da cena tem forte conotação subversiva e numa leitura atual o quadro conjuga o processo de resistência histórica dos Tamoios ao teor sócio-político dos “mais antigos”.

Entretanto, a intenção de louvação da resistência social ou política, ultrapassaria as intenções de um artista acadêmico como Amoedo. Sintonizando o quadro com a época, lembramos que o tema inspirou o longo poema de Gonçalves de Magalhães, autor e obra consagrados por Pedro II pela maneira clássica de abordar o indígena. O retorno ao passado da leitura romântica coloca o elo sentimental que une religioso e índio, a idéia de superioridade de uma cultura sobre uma outra. Romântico e defensor do status quo, Amoedo parece exaltar a compaixão cristã, a dor cujo simbolismo une o padre ao “filho”, muito provavelmente, aludindo a morte do mundo selvagem.

Na concepção formal do quadro, o índio ocupa grande parte da cena, atraindo nosso olhar para o centro da tela. Uma linha diagonal traçada da esquerda para a direita e outra de cima para baixo reforçam aspecto do corpo sendo amparado pelo jesuíta. O cenário da praia, as gaivotas ao longe, o detalhe da tanga desfeita, o sentimento melancólico e a morte aproximam o Último Tamoio do quadro Moema de Victor Meirelles (1862 – 120 x 190 óleo s/ tela).

A referência à personagem apaixonada por Diogo Álvares Correia, morta afogada pelos esforços de seguir o barco que rumava para a Europa com seu amado e Paraguaçu, é a obra literária de Santa Rita Durão, cujo pano de fundo é também a fundação de um território, através da conquista, o da cidade de Salvador. O idílio entre Caramuru e Paraguaçu celebra a unidade colonial quase perfeita, tendo como coroamento a conversão de Paraguaçu ao catolicismo. Moema representa, dentro do triângulo amoroso, as faces mórbida, apaixonada e sensual do feminino. No quadro de Meireles, o corpo inerte de Moema, se destaca do espaço inferior direito e ocupa o centro da tela através de uma linha diagonal que corre da direita para a esquerda e outra linha que avança de baixo para cima, onde a cabeça e os cabelos formam um leque aberto em movimento descendente, ocupando o espaço inferior do quadro. A oposição simétrica que existe entre esta obra e o Último Tamoio é clara na composição dos corpos e outros três elementos aumentam a semelhança e intensidade dramática que existe entre eles: o detalhe da tanga que se desfaz conotando o significado da nudez; a sinuosidade do movimento do corpo que aumenta a sensação de abandono e o cenário da praia que acrescenta à morte a subjetividade do retorno à natureza, à areia, terra, chão. Em ambos os quadros, o modelo foi construído conforme fortes convenções do Romantismo, assim como uma obra do mexicano Felipe Gutiérrez, A caçadora dos Andes (1891) que lança mão de recursos análogos para representar a morte de uma nativa solitária. Porém, a semelhança dos detalhes na obra de Amoedo parece decorrer de uma citação de Meirelles, seu mestre.

Augusto Rodrigues Duarte também se inspirou na literatura, mas desta vez no romance homônimo de René Chateaubriand (1768 - 1848), publicado em 1801, Exéquias de Atalá (1878 – óleo sobre tela, 190 cm x 244, 5cm), um clássico da literatura universal. A obra aborda o amor impossível da índia Atalá por Chactas. A moça encontra o amado e o salva da tortura. Os dois se apaixonam e fogem para o deserto. Entretanto, Atalá vive o conflito entre a fidelidade ao Deus católico e a dedicação à paixão humana. A oposição dilacerante entre amor e fé, entre mundo original e valores ocidentais, culmina com o suicídio de Atalá.

No quadro, dois elementos sinalizam a perda da identidade indígena: a pele embranquecida e o crucifixo entre as mãos da personagem. O branqueamento era muito comum como atributo de beleza referenciando o padrão europeu. A cruz é o símbolo que prevalece sobre a união e continuidade da identidade indígena.

Iracema (1865) é um dos principais romances de José de Alencar. O tema da fundação do Ceará adquire amplitude continental com o nome da heroína Iracema, que é um anagrama de América. A virgem da nação Tabajara, sacerdotisa de Tupã, guardiã das águas de jurema e dos frutos do sonho, um dia vê chegar à sua aldeia, o colonizador português Martim, pelo qual ela se apaixona, apesar dele ser amigo da tribo Potiguar, inimiga de seu povo. Desse amor nasce o herói mestiço Moacir. A estilística do romance de Alencar é vigorosa e Machado de Assis considerou-a como um poema em prosa:

“Verdes mares bravios de minha terra natal, onde canta a jandaia nas frondes da carnaúba.
Verdes mares, que brilhais como líquida esmeralda aos raios do sol nascente, perlongando as alvas praias ensombradas de coqueiros;
Serenai, verdes mares, e alisai docemente a vaga impetuosa, para que o barco aventureiro manso resvale à flor das águas.
Onde vai a afouta jangada, que deixa rápida a costa cearense, aberta ao fresco terral a grande vela?
Onde vai como branca alcíone buscando o rochedo pátrio nas solidões do oceano?
Três entes respiram sobre o frágil lenho que vai singrando veloce, mar em fora.
Um jovem guerreiro cuja tez branca não cora o sangue americano; uma criança e um rafeiro que viram a luz no berço das florestas, e brincam irmãos, filhos ambos da mesma terra selvagem.
A lufada intermitente traz da praia um eco vibrante, que ressoa entre o marulho das vagas:
-Iracema !

José Maria Medeiros inspirou-se no amor para criar a imagem de Iracema. Outra vez a praia é o cenário onde a personagem vaga solitária ao lado do arranjo de flores de maracujá, símbolo do sentimento que a possui. Iracema representa sem disfarces, a mulher de origem indígena Ela é a imagem do “outro” e nudez e solidão a opõe à mulher branca. Ela é também o oculto, o conhecimento enigmático de forças da natureza, que ela domina pelo conhecimento da magia e da propriedade das raízes. O feminino apaixonado aqui representa o mito sacrificial da mulher indígena que desaparece para “dar a luz” ao povo mestiço, ao Brasil.

Embora a representação e dramaturgia romântica não se proponham a atingir a realidade dos índios, nem muito menos assumir uma postura crítica da realidade, a insistente repetição da morte nesses quadros, nos remete à violência da época. Olhando seus personagens em conjunto, eles têm em comum a perspectiva de estarem apartados da realidade, emudecidos no tempo ou no espaço, entregues à natureza como num último reduto. Modelos de uma iconografia que recorta o presente pelo passado, expressam a melancolia do indianismo e são também fragmentos romantizados que exprimem a malha de sentidos submersos na impotência. De certa forma, é possível ver nessas imagens metáforas da perda de identidade e inocência: máscaras dos massacres que aconteciam no segundo império.

Com uma outra linguagem, crua e objetiva, temos na mesma época, a fotografia atuando como instrumento da “ciência” nas três fotografias que Marcelo Morel apresenta como sendo, provavelmente, as primeiras tiradas dos índios Botocudos em Paris (1844). São imagens que formulam uma maneira de “mostrar” o selvagem e a tentativa do fotógrafo de nos dar uma imagem domesticada do índio, através da roupa, da pose, do enquadramento etc. Como “portrait” etnográfico do século XIX, a neutralidade do estúdio fotográfico trás para a cena a condição de objeto do índio e pulveriza aspectos culturais e personalizados daqueles seres humanos. A domesticação se transfigura em violência no olhar que diz “mais sobre o poder do colonizador do que do indivíduo e sua cultura 6”.

Com uma linguagem moderna e atrevida, o desenhista e jornalista Ângelo Agostini se coloca como crítico da produção dos artistas acadêmicos e do regime monárquico e abre espaço na imprensa de oposição, sobretudo na Revista Ilustrada. O índio foi uma caricatura constante do país, seja como gigante adormecido, seja sugado pelos corruptos. Denunciava manobras parlamentares que prejudicavam o povo e o país exercendo uma visão contrária daquela dos românticos.Promoveu campanhas pela Abolição e República evocando a figura da mulher. Sob seu punho a indígena foi símbolo da abolição no Amazonas e no Ceará (1884). O índio, a mulher, e o negro projetaram a união democrática contra o regime. Agostini era um homem de seu tempo e como crítico impiedoso denunciava a maneira servil dos acadêmicos se expressarem. Seu estilo mordaz teve forte influência de Daumier e, do modelo paradigmático da famosa tela de Delacroix (1830), LIBERDADE GUIANDO O POVO, a partir dos eventos políticos populares que precederam à monarquia de Luis Felipe. Delacroix deu à Liberdade uma roupagem moderna e revolucionária ao projetá-la como Mariana, figura símbolo da Revolução Francesa, que guia o Povo no cenário das barricadas urbanas, sustentando numa das mãos o fuzil e na outra a bandeira branca, azul e vermelha da nação francesa republicana.

Embora a Abolição dos escravos e a proclamação da República resultem do palpável amadurecimento da Nação, a visão oficial sobre o índio permaneceu conservadora. Na ideologia positivista, ele ocupou uma posição servil, infantilizada, dominada pela catequese ou pela superioridade do sistema racional de pensamento conforme o monumento republicano erguido na Cinelândia (RJ, 1910) para enaltecer Floriano Peixoto."

http://www.naya.org.ar/congreso2004/ponencias/solange_padilha.htm

Indios brasileiros vs. indios americanos





Acessem o link: http://www.studium.iar.unicamp.br/nove/2.html



Sobre Edward Curtis
"Como a maioria dos fotógrafos etnográficos, Curtis viu o retrato verdadeiro de índios, mostrando, desse modo, apenas o que ele acreditava ser parte do indigenismo primitivo. Seu conceito de primitivismo parece ter-se baseado na ilusão popular que torna esgotado o indianismo - que o indianismo verdadeiro era aquele que não havia sido afetado pela cultura branca".

Extraído do link acima:
A metodologia romântica de Curtis influiu na sua técnica fotográfica, algumas das suas fotos revelando um estilo bastante pictórico. Esse estilo, independentemente de Curtis, fazia parte de um movimento da arte em fotografia que apresentava uma imagem mais macia, com aspectos de pintura... Esse estilo pode ser observado em vários dos trabalhos de Curtis. Porém, seu foco básico ficou sendo a exploração de uma perspectiva mais documentária. Ele estudava as culturas que ia fotografar em maior profundidade enquanto procurava pistas a respeito das roupas usadas no passado, bem como os rituais, estilos da vida cotidiana e artigos culturais que quis documentar ou recriar. Usou agentes governamentais, estudiosos importantes e informantes "nativos" como fontes importantes de informação. "

sexta-feira, 9 de outubro de 2009

Próxima Aula

Romantismo e indianismo
BOSI, Alfredo. História concisa da literatura brasileira. 32. ed. rev. aum. São Paulo: Cultrix, 1994. 528p.
PICCOLI, Valeria. A IDENTIDADE BRASILEIRA NO SÉCULO 19, por Valéria Piccoli. Site:www.forumpermanente.incubadora.fapesp.br/portal/.rede/numero/rev-NumeroOito/oitovaleria -.
FRANZ, Teresinha Sueli. “Victor Meirelles e a Construção da Identidade Brasileira”. In: 19&20 - A revista eletrônica de DezenoveVinte. Volume II, n. 3, julho de 2007. Texto publicado no site: http://www.dezenovevinte.net/
CAVALCANTI, Ana Maria Tavares. O último tamoio e o último romântico. IN: www.revistadehistoria.com.br/v2/home/


Leitura:
PICCOLI, Valeria. A IDENTIDADE BRASILEIRA NO SÉCULO 19, por Valéria Piccoli. Site:www.forumpermanente.incubadora.fapesp.br/portal/.rede/numero/rev-NumeroOito/oitovaleria -.

quinta-feira, 8 de outubro de 2009

O dilema de Debret

Sobre Debret, ver o artigo
BETA, Janaína Laport. “Debret: um olhar estrangeiro”. In: 19&20 - A revista eletrônica de DezenoveVinte. Volume II, n. 4, outubro de 2007. Texto publicado no site: http://www.dezenovevinte.net/
Abaixo um excerto:

"Não há espaço para o neoclassicismo em sua grandiosidade cívica neste mundo tupiniquim que o artista entrevê. Quase podemos imaginar o viajor francês derramando seu olhar estrangeiro sobre o porto, no afã de decodificar a irrealidade caótica que presencia - a qual sabia ter de enfrentar na qualidade de pintor de história. A viagem do artista se revelaria posteriormente, em algumas de suas aquarelas, como as viagens de Gulliver - especialmente nas que retrata famílias brancas de figuras gigantescas a alimentarem negrinhos liliputianos.
O impacto desta visualidade tão desconexa de seu acervo imagético, viria desenvolver, potencializado por seu olhar estrangeiro, uma certa qualidade de esquizo, que o possibilitaria ser a um mesmo tempo pintor da corte e desenhista de trivialidades cotidianas, que compõem - senão o maior - um dos mais importantes registros pictóricos que retratam a formação de nossa sociedade. (...) Logo na chegada Debret percebe a inaplicabilidade de seus ideais neoclássicos, visto - como já dito - a monarquia instaurada e a escravidão. Instala-se o conflito entre sua formação e a realidade brasileira. Não obstante, como pintor deixa-se levar pela atmosfera favorável, pelo fausto da corte, enaltecendo-a nos acontecimentos registrados pictoricamente, nos personagens retratados. Atento a descrição detalhada dos cerimoniais, o artista vai conferindo à obra um caráter cívico, que nos diz de sua preocupação com a necessidade da criação de um imaginário polítco. Felizmente para a arte, não se limitou a representar somente a corte, mas também o cotidiano, a rua, seus personagens. Como desenhista revelou-se muito mais inspirado, vendo a vida, ainda que a corriqueira, de um modo leve, distante do pedantismo monárquico dos ambientes oficiais".

Petits metiérs como gênero artístico



Viajantes no Brasil novecentista

Alteridade
- desconhecido/alteridade/estrangeiro/outro - vistos a partir de uma certa cultura, que é a cultura de origem. Falar do novo é também reelaborar o próprio lugar de origem, mantendo um diálogo com as próprias referências. Narrativa sobre o outro é uma narrativa sobre si mesmo.
- Etnocentrismo: “Eu estou aqui no centro do meu universo, o mundo da cultura e da civilização; à minha volta, em círculos cada vez mais afastados, estão aqueles que eu reconheço como seres humanos, tal como eu. Alguns são me mais próximos; outros só longiquamente me são aparentados. Para além disso, há os estranhos e estrangeiros, cujos costumes são suficientemente parecidos com os meus para que eu experimente sentimentoos de simpatia humana, mas além destes últimos há pessoas ainda mais estranhas, que não me suscitam a mínima resposta; estes estão para além dos limites da humanidade, são selvagens, animais ferozes, elementos da natureza”.
- Processo de exclusão da cultura e relegação à natureza.

Tema recorrente nos viajantes
- natureza da sociedade e a direção para a qual ela estava se encaminhando
- questão do controle sobre a natureza
- crença no progresso e na possibilidade de aperfeiçoamento humano.
- A variedade étnica do Novo Mundo: amplia o conhecimento acerca dos povos e das raças humanas, permitindo a elaboração de uma taxionomia da humanidade.

Novo Mundo para os viajantes
- superioridade da natureza americana
- valorização da diversidade das espécies.

Civilização
- oposição entre a história da humanidade e a natureza física
- homem é a criatura mais perfeita da natureza
- aposta no processo civilizador.

Transculturação e viagem
- “que papel tiveram os interlocutores americanos dos viajantes na reinvenção européia do continente ? Em que medida foram transculturadores, transportando para a Europa conhecimentos originalmente americanos e produzindo conhecimentos europeus infiltrados por conhecimentos não-europeus ?”

Missão Artística Francesa

Ver a apresentação de Lília M. Schwarcz no site: http://www.sempreumpapo.com.br/audiovideo/player.php?id=126

quarta-feira, 7 de outubro de 2009

O que penso sobre Debret

Já se falou e escreveu muito sobre Debret. Inadequação do neoclassicismo, choque do homem pós-revolução com o universo colonial, influência do ideal de civilização, etc.
Parece-me que ainda não foi dito o suficiente acerca da ironia fina e sofisticada que exala de suas pranchas e telas a oleo. Nestas últimas, em lugar da grandiosidade e cerimônia, o que se percebe é um acento debochado, um risinho sardônico que parece, por vezes, descambar em pura caricatura. Corte caricata, figuras imbecis, personagens esvaziados de qualquer heroísmo - Debret riu de tudo isso.
Quanto às pranchas em que representa o universo da escravidão urbana do Rio de Janeiro, consigo encontrar, para além da indignação do homem ilustrado, um desconcertante clima de alegria: seus negros, com raras exceções, não parecem sofrer a terrível condição escrava. Nestes grupos de homens ocupados, imersos no burburinho da cidade, carregando seus trastes, ferramentas e roupas, reina uma felicidade tranquila, de quem lograr driblar a própria infelicidade, para achar nela um sentido para a vida.
Eu diria até que Debret nos mostra que estes homens, na melhor tradição dos petits métiers, encontraram no trabalho, no convívio harmônico proporcionado por este, uma espécie rara de felicidade.
Humanista até a raiz dos cabelos, Debret certamente acreditava na imensa capacidade do ser humano de superar as próprias adversidades, recusando-se peremptoriamente a sucumbir diante delas. Por pior que seja a escravidão, os homens são muito maiores do que ela. O trabalho, mesmo o escravo, tem, para ele, uma dimensão libertadora e ao mesmo tempo civilizadora: fonte de realização pessoal, de progresso individual e coletivo, ele consola e dá lenitivo para toda sorte de sofrimento. É este otimismo invencível que me fascina em Debret.

Viajar para conhecer....

Artistas viajantes
- cada viagem parece desvendar aspectos inéditos da natureza
- imagem da natureza segue os preceitos de Humboldt e revelam o sentimento de natureza, de fundo romântico
- Humboldt é o modelo de todos eles.

Temas dos viajantes da 2ª metade do século XIX
- grande questão: como o mundo orgânico se tornou o que é ?
- busca das temporalidades da natureza
- influência do Darwinismo
- tema: origens da vida – este tema aparece associado à sacralização da natureza.
- Paisagem natural: gênero por excelência da pintura romântica.

Características da visualidade nos artistas viajantes
- olho que pensa: visão intelectual e reflexiva.
- Olhar domesticado, passivo e fascinado ante a natureza.
- Desenho: modo de experimentar a verdade exterior pelos sentidos
- Representação visual da natureza por meio da forma
- Apreensão dos seres no lugar que ocupam na natureza
- União da arte e da ciência
- Olho: configura e identifica o mundo.


Projeto Enciclopédico
- elaboração de um amplo inventário da natureza
- Carl von Linné (1707-1778): esforço de taxionomia; proposta de um sistema universal de catalogação de plantas, animais e minérios. É o Systema Naturae, que tem como proposta a catalogação das espécies; o uso de nomenclatura.
- Gosto estético + conhecimento científico = valorização do estudo in loco da natureza.

Viajantes do século 19
- sentido útil da ciência, postulado pela Ilustração, que, voltada para a solução da vida humana, promove o aproveitamento técnico da natureza pelo homem. O desenho tem um caráter instrumental.

Olhar dos viajantes

O objetivo desta aula/seminário é examinar as representações da natureza na arte brasileira do século XIX, tendo como marcos temporais a pintura de paisagem pelos artistas viajantes, como Debret e Rugendas, passando depois pelos expoentes do Grupo Grimm. Num primeiro momento, interessa perceber a aplicação de fórmulas européias, cujo resultado é o ofuscamento da luz tropical, e a descoberta da natureza pelo Grupo Grimm. Parece-me necessário, porém, enveredar por uma discussão sobre o olhar dos viajantes para entender as particularidades da representação do mundo tropical.

Características
a) conhecimento global não especializado
b) herdeiros da Ilustração e do espírito da Enciclopédia
c) valorização da natureza como objeto de estudo
d) viagem em nome da ciência: missão científica. Objetivo: ampliar o conhecimento disponível
e) afluxo de cientistas foi possibilitado pela abertura dos portos em 1808.
f) Processo de redescobrimento do Brasil, através destes homens, que depois escreveram uma extensa literatura de viagem. Objetivo: descrever o Brasil; apresentá-lo em imagens.
g)Temática: história natural ( botânica, zoologia, geografia, mineralogia, paleontologia, astronomia, meterologia).
h) Missão científica: entretenimento, conhecimento, caráter pedagógico. Público: leigo e especialista. Organizadas por academias e sociedades científicas.

Alteridade
- desconhecido/alteridade/estrangeiro/outro - vistos a partir de uma certa cultura, que é a cultura de origem. Falar do novo é também reelaborar o próprio lugar de origem, mantendo um diálogo com as próprias referências. Narrativa sobre o outro é uma narrativa sobre si mesmo.
- Etnocentrismo: “Eu estou aqui no centro do meu universo, o mundo da cultura e da civilização; à minha volta, em círculos cada vez mais afastados, estão aqueles que eu reconheço como seres humanos, tal como eu. Alguns são me mais próximos; outros só longiquamente me são aparentados. Para além disso, há os estranhos e estrangeiros, cujos costumes são suficientemente parecidos com os meus para que eu experimente sentimentoos de simpatia humana, mas além destes últimos há pessoas ainda mais estranhas, que não me suscitam a mínima resposta; estes estão para além dos limites da humanidade, são selvagens, animais ferozes, elementos da natureza”.
- Processo de exclusão da cultura, relegada à natureza.

Tema recorrente nos viajantes
- natureza da sociedade e a direção para a qual ela estava se encaminhando
- questão do controle sobre a natureza
- crença no progresso e na possibilidade de aperfeiçoamento humano.
- A variedade étnica do Novo Mundo: amplia o conhecimento acerca dos povos e das raças humanas, permitindo a elaboração de uma taxionomia da humanidade.

Novo Mundo para os viajantes
- superioridade da natureza americana
- valorização da diversidade das espécies.


Civilização
- oposição entre a história da humanidade e a natureza física
- homem é a criatura mais perfeita da natureza
- aposta no processo civilizador.

Transculturação e viagem
- “que papel tiveram os interlocutores americanos dos viajantes na reinvenção européia do continente ? Em que medida foram transculturadores, transportando para a Europa conhecimentos originalmente americanos e produzindo conhecimentos europeus infiltrados por conhecimentos não-europeus ?”

O difícil sol dos trópicos


Taunay, Nicolas Antoine Entrada da baía e da cidade do Rio a partir do terraço do convento de Santo Antônio em 1816 , 1816 óleo sobre tela 45 x 56,5 cm Museu Nacional de Belas Artes (Rio de Janeiro, RJ) Reprodução fotográfica Walter Morgenthale

Preconceito e etnocentrismo no olhar dos viajantes

Não sejamos ingênuos: estes homens admiráveis cultivavam uma visão extremamente preconceituosa e negativa a respeito das populações que aqui encontraram. Não lhes interessava apenas a natureza, mas também a natureza da sociedade e a direção para a qual ela estava se encaminhando. O que havia era a crença excessiva na idéia do progresso e no possível aperfeiçoamento humano proporcionado por ele. Acreditava-se então que a humanidade tinha uma origem comum e bíblica, apesar da grande diversidade das raças, como a mongólica, caucásica, malaia, americana, etiópica. Dentre todas estas, estava a superioridade do caucásico, isto é, do europeu branco. Competia à Europa dar ao resto do mundo um exemplo, um modelo de civilização, tido como o único verdadeiro e válido, que resultava da evolução natural dos povos caucásicos. Era portanto na Europa que a civilização havia alcançado o seu zênite. O racismo indisfarçável da Ilustração se expressava, por exemplo, na crença de que são de raça inferior os que não conheceram a civilização. Um exemplo disso é a posição de Spix e Martius diante dos índios, a quem acusava de faltar sensibilidade afetiva, conceito de individualidade, aprisionando-os no mundo dos instintos. A representação do índio em Spix e Martius ressalta o aspecto selvagem, com figuras desproporcionais, animalescas, sem individuação, evidenciando o colapso do mito do bom selvagem. Para eles, a raça americana não pode ser aperfeiçoar e atingir a humanidade superior. Ela tende a desaparecer, e por isso não deve ser integrada à civilização. Os índios também não conhecem a idéia de progresso, de modo que jamais vão sair do estágio em que se encontram.
O que nós temos nestes viajantes é a força do conceito de civilização, revelado pelo orgulho de suas nações, responsáveis pela difusão do progresso no Ocidente. Para eles, civilização significa a transplantação do universo europeu nos trópicos. Para Spix e Martius, cabe cabe à humanidade transformar a superfície da terra, expulsando os seres mais fracos. O avanço da civilização é necessário e irresistível. Ademais, o gesto fundador da civilização consiste no domínio dos homens sobre a natureza, daí a importância do desenvolvimento técnico e econômico, que levariam naturalmente ao progresso.
Todos estes conceitos deitavam raízes no Ideário iluminista: desenvolvimento e aperfeiçoamento do homem; fortalecimento das virtudes e da força moral; busca do bem-estar e da felicidade.

Resenha do livro O sol do Brasil

Fonte: Revista de História da Biblioteca Nacional. 01/06/2008

O sol do Brasil. Nicolas-Antoine Taunay e as desventuras dos artistas franceses na corte de D. João.
“Os trópicos difíceis de Nicolas-Antoine Taunay”, um dos capítulos mais essenciais do livro da antropóloga Lilia Schwarcz, explora o desacordo entre os princípios formais do artista e o Brasil, ou melhor, o Rio de Janeiro da corte joanina. Mas a idéia de um desajuste que marcaria esse morador da Floresta da Tijuca é fundamental na interpretação da autora: O sol do Brasil afirma a inexistência de uma missão artística francesa que se teria constituído oficialmente a convite do governo luso na América para imprimir a marca neoclássica naquele mundo primitivo e apartado da civilização. A narrativa por todos conhecida estabelece que em 1815 o marquês de Marialva, embaixador extraordinário na França, reúne artistas prestigiados e expostos a represálias devido a seu passado bonapartista. Essa versão começa a ser construída por alguns protagonistas, entre eles Jean-Baptiste Debret, e foi continuamente alimentada pela nascente historiografia brasileira, do século XIX em diante.
Para Lilia Schwarcz, trata-se de uma interpretação que considera a história a partir de um desfecho e, sobretudo, subentende a existência de um projeto. Essa anterioridade e essa premeditação é que estão em jogo, afirma, concordando, de todo modo, com a conveniência, para a corte joanina, da vinda do grupo de franceses. Por outro lado, a versão do convite e o próprio meio de designá-los como uma missão eram mais lisonjeiros para seus membros ante a iniciativa liderada por Joachim Lebreton, do Institut de France.
Essa é uma parte do livro que enfrenta a consolidada fórmula do desembarque francês em 1816; em outros capítulos, entre relatos de viagens e a fuga da Corte para o Brasil, temos as peças que antecedem a trajetória dos que vinham criar a Escola Real de Ciências, Artes e Ofícios. Mas uma outra série de acontecimentos, de ordem artística, informa a trajetória do pintor Taunay, como o compromisso entre a pintura neoclássica e o “elogio da nação”, o primado das paisagens e da pintura histórica.
Ao elogio segue-se o discurso da nação, tributário do sentimento da natureza, mesclado ao tema da história e que identifica o Oitocentos. Aplicar esse gênero, com seus esquemas, tons, proporções e personagens, à cena tropical torna-se o cerne de um desencontro evocado ao longo desse estudo vigoroso. Os excessos das cores e da luminosidade do céu e do sol transbordam da escala de Nicolas Taunay, são mediados pelas recorrências italianas que formam seu repertório imagético, mas o grande obstáculo, o limite mesmo está na escravidão, e por isso “a vegetação será sempre maior que os homens, os quais surgem pequenos, como detalhes perdidos. No seu lugar está o pitoresco da natureza, devidamente inflacionada de forma a reduzir o papel e o lugar da escravidão; quase uma cena calada e acessória”.
Nas legendas das reproduções que integram o livro e ao longo do texto, esse estranhamento é analisado a partir das telas do artista recortadas em seus detalhes, que são ampliados, o que, além de um recurso para o exame das obras, incide sobre a habilidade do pintor em produzir figuras miniaturizadas. Entre as 45 obras de sua fase brasileira, Taunay retratou o Rio de Janeiro em imagens mediterrânicas, árcades, com luz amarelada. Nesses e em outros quadros, os escravos aparecem como borrões indefinidos e diminutos, mas, constantes, expressam a ambigüidade de sua condição naquela sociedade e para o próprio artista. Sua presença numerosa, dirá a autora, é também sintoma de uma falta, lacuna ainda perceptível no encontro da natureza americana com a Revolução e na melancolia investida nos retratos de D. Maria Teresa e de D. Maria Isabel. Aqui, em contrariedade ao realismo do gênero, as princesas expressavam “a estranheza da monarquia momentaneamente estacionada nos alegres trópicos americanos”.
Cláudia B. Heynemann é pesquisadora do Arquivo Nacional.

Vinda da corte: armação de carioca babaca!

Fonte
Folha de São Paulo, Caderno Mais, 25 novembro de 2007.

DA REPORTAGEM LOCAL
Essa história de comemoração da vinda da corte ao Brasil é armação de carioca para promover o Rio de Janeiro." Destoando do alvoroço em que se encontram historiadores, prefeitura do Rio, monarquistas e festeiros de plantão, o pernambucano Evaldo Cabral de Mello diz que não existem comemorações históricas autênticas e que a efeméride dos 200 anos pode servir para reforçar interpretações equivocadas sobre o período joanino e a Independência. Leia, abaixo, trechos da entrevista que o autor de "A Fronda dos Mazombos" (ed. 34) e "Rubro Veio" (ed. Topbooks) concedeu à Folha, por telefone. (SYLVIA COLOMBO)
FOLHA - O que o sr. está achando da comemoração dos 200 anos da vinda da corte ao Brasil? EVALDO CABRAL DE MELLO - Não gosto de celebrações de efemérides em geral. Não acredito em comemorações históricas que sejam autênticas. Não quis me envolver nas comemorações dos 500 anos do Descobrimento, por exemplo. Essa coisa de fazer festa em torno de dom João 6º é armação de carioca para promover o Rio.
FOLHA - Que problemas o sr. vê no modo como esse debate está vindo à tona?
MELLO - Há no Brasil uma insistência em reforçar o lugar-comum segundo o qual foi dom João 6º o responsável pela unidade do país. É até difícil reagir contra a historiografia que celebra a manutenção dessa integridade como resultado da vinda da família real. Isso não é verdade. A unidade do Brasil foi construída ao longo do tempo e é, antes de tudo, uma fabricação da coroa, mas não com o objetivo de que se criasse a partir dela um país independente.Ela está relacionada à situação de Portugal no contexto europeu daquela época. Os poderosos eram a França e a Inglaterra e era preciso pensar estratégias para garantir o futuro do país naquele panorama.A idéia de que era preciso fortalecer um império com os territórios de Portugal e Brasil começou no século 18, com dom Luís da Cunha [1662-1740, influente diplomata português que viveu em Londres, Madri e Paris], e foi desenvolvida depois com o Conde de Linhares, dom Rodrigo de Sousa Coutinho (1755-1812). Além disso, é um absurdo que hoje se celebre a unidade antes de tudo -quando se pensa nesse momento da nossa história-, em vez de discutir que tipo de instituições republicanas e constitucionais estavam surgindo. Parece que herdamos o complexo de pequenez de Portugal para valorizar tanto essa questão.
FOLHA - O Brasil não melhorou depois da vinda da família real?
MELLO - A corte portuguesa que aqui chegou era uma corte parasita, que explorava as Províncias para manter a mesma estrutura que tinha na Europa. Nem sequer houve um esforço de adaptar a máquina administrativa a uma nova situação, a uma extensão territorial tão grande. Estando aqui, dom João 6º foi levando as coisas com a barriga. Só um raciocínio tortuoso pode relacionar suas atitudes diretamente com a questão da unidade. Quando os historiadores pensam assim, não estão distinguindo os resultados das ações de dom João 6º das conseqüências inesperadas que elas provocaram. Em geral, aqueles que se dedicam a esse tema não deixam claro o que era intencional e o que não era, por parte do rei. Também ninguém dá importância ao fato de que dom João 6º esvaziou nosso erário antes de partir. Todos lembram que ele fundou o Banco do Brasil, mas nunca que deixou o Brasil falido quando foi embora daqui. A verdade é que nós herdamos desse período o pior, uma monarquia unitária que todo o país teve de sustentar. A própria urbanização do Rio se deu às custas das Províncias. Deve-se lembrar que, nos primeiros tempos, a corte desalojou os moradores da cidade para que os nobres tivessem onde viver. No período joanino, o Rio virou uma cidade portuguesa, um corpo estranho dentro do Brasil. E as outras regiões é que pagaram a conta. Foi só depois de muito tempo que o Rio foi se tornar uma cidade brasileira.
FOLHA - E quanto à relação entre a vinda da família e a Independência?
MELLO - Nunca se reconheceu que a Independência foi uma manobra contra-revolucionária encabeçada por dom Pedro 1º, cuja intenção era imunizar o Brasil do contágio da onda liberal que estava tomando Portugal [com a revolta constitucionalista do Porto, em 1820]. Originalmente, os problemas no Rio se deram entre portugueses liberais e absolutistas. Estes queriam impedir que aqui se passasse o mesmo que estava sucedendo em Portugal. Depois é que os brasileiros se integraram ao processo. É muito pertinente a idéia de "interiorização da metrópole", formulada por Maria Odila Leite da Silva Dias ["A Interiorização da Metrópole e Outros Estudos", ed. Alameda].
FOLHA - Vê um viés conservador no resgate que está sendo feito dos personagens da monarquia?
MELLO - Sim, isso existe. E os personagens são todos lamentáveis, de uma mediocridade impressionante. E agora ficam com essa história de que dom João 6º se apaixonou pelo Brasil, pelo Rio, por São Cristóvão... É tudo de um sentimentalismo muito besta e apelativo.

Fuga da corte para o Brasil: uma polêmica

Publicado na Folha de São Paulo, Caderno Mais, 25 novembro de 2007.

A CORTE PRIVADA
Expansão do Rio se deu graças à iniciativa individual e de ordens religiosas; governo real criou planejamento e execução de obras públicas

NIREU CAVALCANTI ESPECIAL PARA A FOLHA
Tornou-se comum a crença de que o Rio de Janeiro era um lugarejo sujo e atrasado culturalmente e que, num passe de mágica, mudou a partir da chegada da corte lusitana, em 7 de março de 1808. Afirma-se ainda que acompanharam a Família Real de 15 a 20 mil pessoas. Tais números representariam cerca de 8% da população de Lisboa, e 25% dos moradores da cidade do Rio que teriam sido despejados, em igual número, de suas casas. Trata-se de uma história construída sem fundamentação documental e sem o mínimo de lógica e coerência. A transferência da corte de Lisboa para o Brasil, embarcada na frota que zarpou em 29 de novembro de 1807, e a instalação na cidade do Rio da corte provisória, por si só, são grandes feitos a comemorarmos. A inusitada troca de papéis de uma monarquia européia instalar-se na colônia americana -e o reino virar sede do vice-reinado- é o grande fato histórico do início do século 19. Temporário definitivoA sábia decisão da inteligência governamental portuguesa iniciou a desarticulação do projeto expansionista francês, uma vez que a posse do Brasil -e especialmente do Rio de Janeiro- seria fundamental para Napoleão. Segundo as reflexões do ministro da Marinha e Ultramar Martinho de Mello e Castro, de Portugal, em carta de 2/3/1795, Bonaparte estabeleceria um núcleo de apoio militar às forças navais e bloquearia o comércio marítimo, visando a se apossar diretamente da Índia e, principalmente, das colônias inglesas e portuguesas naquele país. O que seria temporário se tornou definitivo, e a corte provisória do reino português virou sede do reino do Brasil, unido ao de Portugal (carta de lei de 16/12/1815). Após a declaração da Independência do Brasil (7/9/1822) pelo regente dom Pedro, tornou-se o Rio a sede do império brasileiro. A cidade do Rio de Janeiro cresceu, novas ruas foram abertas, muitos de seus logradouros, pavimentados, belas igrejas edificadas, trapiches e armazéns construídos, fábricas de atanados (couro curtido), de tecidos, de beneficiamento de arroz, cordoarias etc. foram realizadas graças à iniciativa individual, de grupos privados, das ordens religiosas e das irmandades e ordens terceiras. Formou-se no Rio de Janeiro um grupo de pessoas muito ricas, que acumulou bens por meio de atividades mercantis, da produção agroindustrial (açúcar, cachaça, farinha, café, anil e arroz), dos criatórios, do comércio negreiro, da atividade imobiliária e, principalmente, da extração aurífera e de pedras preciosas. Essa elite poderia ter construído palacetes monumentais, tê-los mobiliado e adornado com os mais requintados produtos importados, mas foi cerceada pelas leis do reino contra o luxo (as "Pragmáticas"), proibindo-os de exporem suas riquezas. Iniciativas importantes foram abortadas pela coroa. O estabelecimento da primeira gráfica na cidade, do empresário de Lisboa Antonio Isidoro da Fonseca, que chegou a publicar material para uso no comércio e obras de cunho literário e acadêmico, durou pouco, pois em 10 de maio de 1747 foi promulgada a ordem régia proibindo gráficas e publicação de "livro e papel avulso" no Brasil. Igual destino tiveram as fábricas de tecidos, de linhas e de galões finos, até com fios de ouro e prata, por meio do alvará de dona Maria 1ª de 5 de janeiro de 1785, mandando fechar todas as fábricas do Brasil. Na cidade do Rio de Janeiro foram fechadas 16 fábricas e seus teares enviados para Lisboa. Só foi permitida a permanência da indústria naval por interesse da coroa na fabricação e nos consertos das embarcações reais. Segunda cidade do reinoO comércio independente com outros países, excluído Portugal, era proibido, e submetidas a severa vigilância as transações com os navios estrangeiros que aportavam na cidade sob especial permissão do vice-rei. Vários processos e denúncias atingiram pessoas acusadas de comerciar clandestinamente com estrangeiros. Apesar do garrote colonial, a cidade do Rio de Janeiro se tornou a mais populosa e a mais rica do Brasil, a segunda do reino, atrás da corte de Lisboa. Os 14 membros da família real e seus acompanhantes se acomodaram sem transtornos na cidade, pois havia moradia suficiente para abrigá-las, razão por que não há nenhuma referência documental a obras emergenciais para abrigos ou reclamação desses recém-chegados de que estavam acampados nas ruas ou mesmo que nelas estivessem moradores despejados de suas casas. Para abrigo da família real e ampliação do que seria o palácio da corte, foram desalojados os carmelitas, os desembargadores do Tribunal da Relação, os presos da cadeia pública, a fábrica da Casa da Moeda e, depois, o teatro de Manoel Luiz Ferreira. Foram esses os primeiros que receberam o famoso PR, "Ponha-se na rua". O "palácio rural" estava garantido com obras na sede da fazenda real de Santa Cruz, faltando o "palácio de campo" para completar a trilogia mínima de moradas reais. Para isso, o rico comerciante Elias Antônio Lopes ofertou o seu palacete, em final de construção, em São Cristóvão, que se transformou no Palácio da Quinta da Boa Vista. Os grandes legados do governo joanino (1808-21) foram a consolidação do território brasileiro -redesenhando sua divisão com a criação das capitanias do Piauí (10/11/1811), Alagoas (16/9/1817) e Sergipe (8/ 7/1820)- e a montagem do império para seu filho dom Pedro 1º, organizado político-administrativamente e reconhecido em escala internacional. As obras importantes feitas por dom João 6º, com recursos governamentais, restringiram-se à construção de três chafarizes, o prédio do quartel do Exército, no Campo de Santana, e o prédio da Real Academia de Belas Artes, projetado pelo arquiteto francês Grandjean de Montigny. Devemos reconhecer a contribuição do governo joanino na organização e montagem de estrutura técnica de planejamento e execução das obras públicas e para o rei e sua família, semelhante à existente na corte de Lisboa. Para isso, criou a função de arquiteto da cidade para a Câmara de Vereadores; a Real Casa das Obras; o Arquivo Militar; a organização do Real Corpo de Engenheiros militares; a Intendência Geral da Polícia da Corte e Estado do Brasil, responsável pelo setor de teatros e divertimentos públicos, da mendicidade, de mapas estatísticos populacionais, das obras públicas no âmbito da cidade do Rio de Janeiro, do Passeio Público e outros jardins, das obras e do sistema de abastecimento de água potável, iluminação pública etc.; a criação da Real Academia de Belas Artes; a ampliação dos cursos da Real Academia Militar; o curso de Medicina; a Real Biblioteca pública; a imprensa; a transferência do jardim botânico do Passeio Público para um terreno muito maior, no atual bairro do Jardim Botânico; a reabertura do Museu de História Natural, em prédio adquirido no atual Campo de Santana, esquina com a rua da Constituição, com coleção mais variada e ampliada do que a que existia na Casa dos Pássaros. Sem dúvida a cidade do Rio de Janeiro ter-se tornado corte, além de acarretar transformações econômicas, políticas e culturais, alterou os costumes da sociedade. O Rio cresceu, muitos prédios foram construídos em razão da vinda da família real e de seus acompanhantes, dos embaixadores, dos comerciantes e profissionais estrangeiros, das mais variadas áreas. Também pela migração interna dos fluminenses e de outras capitanias, que desejavam morar na corte. A cidade expandiu-se em direção ao Palácio da Quinta da Boa Vista e do Palácio de Santa Cruz, em razão de nobres e endinheirados erguerem suas mansões "de campo" e "rural" ao lado do rei.
NIREU CAVALCANTI é historiador e professor da Escola de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal Fluminense.

Link para animação sobre a vinda da Corte ao Brasil

http://www.futura.org.br/main.asp?View={D2EF690E-49AB-498F-9011-7957E4D9F702}&Team=¶ms=item /D. João em desenho animado

Estética Neoclássica


O Juramento dos Horácios, de Jacques-Louis David é um excelente exemplo da arte neoclássica. Fica evidente que, em relação ao rococó, o estilo neoclássico é mais sério, severo e objetivo, repudiando toda a fantasia e ausência de disciplina. Trata-se do triunfo do naturalismo e do racionalismo, em franca oposição ao sensualismo. Buscando a simplicidade, entendida como meio para a máxima inteligibilidade, o neoclássico renuncia às gradações de cor e ao impetuoso jato de impressões, preferindo a
linha pura, nítida e clara
Aqui, David renuncia aos efeitos pictóricos e tudo o que possa tornar a pintura um puro prazer dos sentidos. Seus meios são racionais, ordenados, puritanos, regido pelo princípio de economia, que pode ser visto na restrição da obra ao absolutamente essencial. Concomitantemente, há a recuperação dos valores morais da Antiguidade, como o estoicismo e o sacrifício, tidos como modelares para o povo francês. A arte tem uma dimensão estética e ética. “Os protagonistas do drama, como sinal de sua unanimidade e sua resolução de morrer juntos, se necessário por um ideal comum, estão concentrados em uma linha única, inteira, e rigida: o artista conseguiu com este radicalismo formal um efeito com o qual não podia comparar-se nenhuma das experiências artísticas de sua geração”.
A sobriedade da obra de David fica evidente na rigidez formal da composição, na força constituitiva da linha e na clareza do gesto. Há uma tensão na tela, que pode ser percebida na musculatura contraída dos personagens, em contraste com a languidez sofredora das mulheres. É como um grande espasmo que se seguirá, convertendo aquela tensão em ação.

Missão Artística Francesa

Integrantes da Missão
Joachim Lebreton (1760-1819) - o líder do grupo
Jean Baptiste Debret (1768-1848) - pintor histórico
Nicolas-Antoine Taunay (1755-1830) – pintor de paisagens e de batalhas
Auguste Henri Victor Grandjean de Montigny (1776-1850) – arquiteto
Charles de Lavasseur – arquiteto
Louis Ueier – arquiteto
Auguste Marie Taunay (1768-1824) – escultor
François Bonrepos – escultor
Charles-Simon Pradier (1783-1847) – gravador
François Ovide – mecânico
Jean Baptiste Leve – ferreiro
Nicolas Magliori Enout – serralheiro
Pelite – peleteiro
Fabre – peleteiro
Louis Jean Roy – carpinteiro
Hypolite Roy – carpinteiro
Félix Taunay (1795 — 1881), filho de Nicolas-Antoine, teria importante papel na Academia anos depois. Também veio com o grupo, mas na época era apenas um jovem aprendiz.
Seis meses mais tarde, uniram-se ao grupo:
Marc Ferrez (1788-1850) – escultor (tio do fotógrafo Marc Ferrez)
Zéphyrin Ferrez (1797-1851) – gravador de medalhas

Objetivo da Missão, de acordo com o o Decreto para a criação da Escola Real de Ciências, Artes e Ofícios a 12 de agosto de 1826:

"Atendendo ao bem comum, que provêm aos meus fiéis vassalos, de se estabelecer no Brasil uma Escola Real de Ciências, Artes e Ofícios, em que se promova e difunda a instrução e conhecimentos indispensáveis aos homens destinados não só aos Empregos Públicos da Administração do Estado, mas também ao progresso da Agricultura, Mineralogia, Indústria e Comércio, de que resulta a subsistência, comodidade e civilização dos povos, maiormente neste continente, cuja extensão, não tendo o devido e correspondente número de braços indispensáveis ao amanho e aproveitamento do terreno, precisa de grandes socorros da prática para aproveitar os produtos, cujo valor e preciosidade podem vir a formar do Brasil o mais rico e opulento dos Reinos conhecidos, fazendo-se, portanto, necessário aos habitantes o estudo das Belas-Artes com aplicação e referência aos ofícios mecânicos, cuja prática, perfeição e utilidade depende dos conhecimentos teóricos daquelas artes, e difusivas luzes das ciências naturais, físicas e exatas; e querendo, para tão úteis fins aproveitar, desde já, a capacidade, habilidade e ciência de alguns dos estrangeiros beneméritos que têm buscado a Minha Real e Graciosa Proteção, para serem empregados no ensino da instrução pública daquelas artes: Hei por bem, e mesmo enquanto as aulas daquelas artes e ofícios não formam a parte integrante da dita Escola Real de Ciências, Artes e Ofícios que Eu Houver de Mandar estabelecer, se pague anualmente (...)."

Propósito da missão, segundo Debret
"Animados todos por um zelo idêntico e com o entusiasmo dos sábios viajantes que já não temem mais, hoje em dia, enfrentar os azares de uma longa e ainda, muita vezes, perigosa navegação, deixamos a França, nossa pátria comum, para ir estudar uma natureza inédita e imprimir, nesse mundo novo, as marcas profundas e úteis, espero-o, da presença de artistas franceses."

Legado da Missão Artística Francesa
- Atualização da arte brasileira, colocando-a em contato com as novas modas artísticas que proliferavam na Europa, com a adoção generalizada dos princípios acadêmicos e neoclássicos pelos artistas locais.
- criação de um sistema de ensino sólido e permanente, tornando-se o mais importante sistema de ensino oficial do país, em torno do qual se desenvolveu a produção artística brasileira.
- melhoria do status do artista, sobretudo numa sociedade em processo de laicização.

Pontos negativos da Missão
- invasão violenta e repressora no desenvolvimento artístico brasileiro, na medida em que buscava uma ruptura com a arte produzida no período colonial.
- arte estatizante, isto é, oficial, produzida de acordo com os valores e princípios do poder oficial.

Academia Imperial de Belas Artes

A arte brasileira do século XIX floresceu em torno da Academia Imperial de Belas Artes, fundada no Rio de Janeiro em 1822. A Academia desempenhou um papel normativo na produção artística brasileira, posto que concentrou as funções de formação do artista e de organização da atividade artística. Como afirma Sonia Gomes Pereira, o academicismo é, sobretudo, "um conjunto de normas para a formação e a produção artísticas, que pretendiam ser eternas e universais". As academias constituíam locais onde eram preservadas e transmitidas com rigor um conjunto de "
regras e os cânones formais, estéticos e técnicas do estilo das academias de arte onde muitos dos artistas contemporâneos recebiam a sua formação artística."
De acordo com a Enciclopédia Itaú de Artes Visuais:
"O termo liga-se diretamente às academias e à arte aí produzida. Presentes na Europa desde 1562, com a criação da Academia de Desenho de Florença, disseminadas por diversos países durante o século XVIII, as academias de arte são responsáveis pelo estabelecimento de uma formação artística padronizada, ancorada em ensino prático - sobretudo em aulas de desenho de observação e cópias de moldes - e teórico, em que se articulam as ciências (geometria, anatomia e perspectiva) e as humanidades (história e filosofia). Ao defender a possibilidade de ensino de todo e qualquer aspecto da criação artística por meio de regras comunicáveis, essas instituições descartam a idéia de gênio, movido pela inspiração divina ou pela intuição e talento individuais. Rompem com a visão de arte como artesanato, e isso acarreta mudança radical no status do artista: não mais artesãos das guildas, eles passam a ser considerados teóricos e intelectuais. Além do ensino, as academias são responsáveis pela organização de exposições, concursos, prêmios, pinacotecas e coleções, o que significa o controle da atividade artística e a fixação rígida de padrões de gosto.

(...)A chancela oficial das academias, associada à defesa intransigente de certos ideais artísticos e padrões de gosto que os prêmios e concursos explicitam, traz consigo a recusa de outras formas e concepções de arte, o que acarreta um inevitável conservadorismo. Daí o sentido pejorativo que ronda as noções de arte acadêmica e academicismo, associadas à arte oficial, à falta de originalidade e à mediocridade. Os grandes artistas do século XIX, como boa parte dos impressionistas, procuram canais alternativos para exibir suas obras, à margem da academia. Isso não deve afastar a compreensão das reverberações da arte acadêmica no mundo todo. No Brasil, a origem da arte acadêmica liga-se à criação da Academia Imperial de Belas Artes - Aiba, inaugurada oficialmente em 1826, e marca o início do ensino superior artístico no Brasil. Os prêmios e bolsas de viagem ao exterior concedidos pela Aiba têm papel decisivo na formação de artistas como, por exemplo, Victor Meirelles (1832 - 1903) e Pedro Américo (1843 - 1905). Em linhas gerais, a arte acadêmica no país corresponde a um modelo neoclássico aclimatado, que tem de enfrentar as condições da natureza e da sociedade locais. Entre as várias alterações no modelo encontra-se o predomínio das paisagens entre os pintores acadêmicos no Brasil, a despeito da hierarquia de gêneros, que considerava a paisagem secundária".
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